Desde que comecei a tocar violão, aos 7 anos, a música vem embalando minha existência, e virou uma carreira. Hoje posso dizer que, de algum modo, ela me salvou. Recentemente, me vi entre a vida e a morte ao descobrirem em meu cérebro um tumor maligno, o que me fez repensar tudo. Sentia dores de cabeça recorrentes, mas me parecia normal. Tomava analgésico e logo passava. Eu era aquele tipo que nunca ia ao médico, só em casos graves. Foi depois de uma convulsão em março, a primeira delas, que desconfiei de que havia alguma coisa errada. Me levaram às pressas ao hospital, e aí veio o diagnóstico: um quadro de estresse agudo. Receitaram uns remédios e voltei para casa, onde passei a notar sintomas estranhos. Às vezes, não entendia bem uma conversa, as palavras saíam emboladas. Tive nova convulsão pouco tempo mais tarde. Estava sozinho em casa e, teimoso, me recusei a procurar ajuda. Até que um dia demorei a conseguir reconhecer minha própria mãe. Retornei ao posto de saúde e, de novo, me deram medicamentos paliativos. Mas eu sentia que havia algo pior.
Em agosto, uma terceira convulsão me deixou desacordado. Fui parar na emergência e me encaminharam para um hospital de referência em Curitiba, onde moro. Um alerta se acendeu quando os médicos viram a tomografia da cabeça. Me internaram imediatamente. A ressonância trouxe, enfim, a notícia que não queria ouvir. “Identificaram um tumor grande no lado esquerdo de seu cérebro”, informou o cirurgião. Não pensei em morte. Me preocupava apenas perder minhas habilidades musicais. Expliquei qual era meu trabalho e perguntei se havia alguma chance de minha voz e coordenação motora serem afetadas. O médico explicou que sim, mas acenou com uma opção que me deu esperança. Se eu autorizasse, poderíamos seguir com a operação sem anestesia geral. Eu ficaria acordado durante o procedimento, cantando e tocando se quisesse. Com essa técnica, é possível fazer testes neurológicos para verificar se o paciente está sofrendo alterações em áreas específicas enquanto os bisturis estão a toda. Como diminuiria os riscos de danos, aceitei na hora.
A partir daí, engatei em uma rotina de ensaios para o dia da cirurgia. O treino era para tocar e cantar sem me mover do pescoço para cima. Qualquer minúsculo movimento poderia atrapalhar a operação. Sabia que se tratava de uma intervenção extremamente delicada, mas a ideia de fazer o que mais amo naquelas horas me deu conforto. Durou mais de oito e, em seis delas, fiquei desperto e lúcido. Quando me avisaram que poderia pegar o violão, fui tomado de alívio. Enquanto minha cabeça estava aberta, com uma equipe em torno de mim, consegui dedilhar o instrumento como se nada estivesse acontecendo. Cantei samba, bossa nova e até compus. A cada vez que eu terminava uma música, era aplaudido. Foi emocionante. Graças ao trabalho impecável dos profissionais que me atenderam, não fiquei com nenhuma sequela e fui liberado para voltar para casa em dois dias.
Agora, estou aos poucos retomando a rotina e continuo disciplinado com os cuidados, indo às consultas para me certificar de que está tudo bem. Foram quase quarenta pontos na cabeça, e todos os envolvidos ficaram surpresos com minha rápida recuperação. Já voltei a trabalhar em meu estúdio. Estou tocando o barco com mais calma. Confesso que fiquei surpreso ao saber que o vídeo da operação, que postei entre amigos, havia viralizado. Minha vida mudou totalmente neste curto espaço de tempo. Muitos me procuraram e se sentiram inspirados pela história e pelo significado da música para mim. Percebo mudanças em mim — estou mais sensível e falante. Acabei de compor uma canção em homenagem à equipe do hospital. Eu e a música somos um só e, graças a ela, nunca estive tão vivo.
Maurício Stemberg em depoimento a Duda Monteiro de Barros
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863