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A chef que foi do Brasil ao Louvre: ‘Ponho um pouco de mim nas receitas’

Alessandra Montagne, 46, foi escolhida para comandar um dos novos restaurantes do museu

Por Sara Salbert
13 jul 2024, 08h00

Comecei a cozinhar muito cedo, incentivada pela minha avó, que fazia questão de me ensinar tudo o que sabia, e ainda criança já fazia coxinha para vender. Minha vida foi muito difícil. Nasci no Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, mas minha mãe viajou para tentar a sorte na França e eu, com poucos dias de vida, fui morar com meus avós em Poté, cidadezinha no interior de Minas Gerais. Passei uma infância muito simples, na roça, engravidei aos 16 anos e me casei. O relacionamento com o pai do meu filho foi bastante conturbado e sofri vários tipos de violência. Resolvi pedir ajuda à minha mãe, na época ainda morando na França e casada com um francês, para fazer um curso do idioma de três meses em Paris. Assim, repeti a história: aos 22 anos, deixei o André com minha tia em São Paulo e fui embora.

Quando vi a Torre Eiffel pela primeira vez, me apaixonei e soube que não voltaria mais. Sem dominar o francês, minha linguagem era a culinária. Eu cozinhava para os amigos e vizinhos e me matriculei em um curso na escola Médéric. Trabalhei muito como babá, secretária, faxineira, até juntar dinheiro suficiente para abrir meu primeiro restaurante, o Tempero. Depois de reformar o espaço, não sobrou verba nem para fazer cartões de visita, e eu não tinha planejado nenhuma estratégia para atrair clientes, mas, para minha surpresa, o restaurante lotou desde o primeiro dia. O sucesso do Tempero chamou a atenção de Alain Ducasse, chef dos mais premiados, que se tornou meu padrinho na gastronomia desde que provou da minha comida e gostou. Partiu de Ducasse o convite que jamais imaginei receber: comandar um dos novos restaurantes do Museu do Louvre pelos próximos dez anos. Não pensei duas vezes — aceitei. A realização desse sonho está perto. A casa vai ser inaugurada logo depois dos Jogos Olímpicos de Paris.

Sempre busquei colocar um pouco de quem sou nas minhas receitas, criando um equilíbrio entre a culinária francesa e a brasileira. Misturo pão de queijo com caviar e os franceses adoram. Desde que abri meu segundo restaurante, o Nosso, em 2021, investi ainda mais na diversidade cultural. Contratei funcionários de várias nacionalidades para compor a minha equipe, e isso com certeza trouxe mais riqueza para as minhas receitas. A sustentabilidade também se tornou uma questão cada vez mais importante para mim. Os cardápios dos meus restaurantes estão sempre mudando, de acordo com os produtos da estação, porque compro todos os ingredientes de agricultores locais. Evito ao máximo o desperdício e faço compostagem de tudo o que não é utilizado. Ao longo dessa minha trajetória, pude trazer meu filho para morar comigo, me casei de novo e tive mais uma filha, a Thaís.

Passei mais de dezesseis anos longe do Brasil. E fazer as pazes com o meu passado, marcado por tantas dificuldades, tornou-se uma etapa crucial da minha vida. Quando enfim decidi revisitar minha terra, em 2017, fui recebida com carinho e apoio por diversos chefs brasileiros que admiro, como Alex Atala e Roberta Sudbrack. Não me passava pela cabeça que profissionais tão incríveis pudessem sequer saber o meu nome. Foi uma sensação indescritível — pela primeira vez me senti amada e acolhida pelo meu país. Como parte desse resgate das origens, publiquei no ano passado o livro Do Rio a Paris: Minha Cozinha de Coração, no qual conto minha história por meio das receitas que mais me marcaram. Ainda não me vejo voltando a morar no Brasil, mas não desisti de buscar uma alternativa para levar a experiência do Nosso e do Tempero até os brasileiros. Espero ter a oportunidade de algum dia abrir um restaurante aqui. Uma coisa é certa: agora que redescobri o Brasil, ele me faz muito feliz.

Alessandra Montagne em depoimento a Sara Salbert

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2024, edição nº 2901

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