A vitória do Centrão nas eleições no Congresso, a costeada do Democratas no Palácio do Planalto e a brigalhada pelo controle do PSDB trouxeram um pouco de realidade para o cenário eleitoral de 2022. Sim, Jair Bolsonaro segue como favorito para a reeleição. Sim, o PT tende a indicar Fernando Haddad novamente. Sim, Ciro Gomes segue do mesmo tamanho. O espaço que vai do centro à direita não-bolsonarista está se reduzindo. Com Bolsonaro mais forte e esquerda organizada, só haverá espaço para um candidato no meio.
Hoje são duas as opções dessa faixa do eleitorado, o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador de TV Luciano Huck. Os ex-ministros bolsonaristas Sergio Moro e Henrique Mandetta serão cabos-eleitorais junto aos arrependidos.
A bola está com Doria. Ele tem o governo de São Paulo, o único ente da federação que faz sombra ao Palácio do Planalto. Foi por sua teimosia que a vacinação contra Covid-19 começou em janeiro e hoje 90% dos quase 4 milhões de brasileiros imunizados tomaram doses produzidas pelo instituto paulista Butatan em conjunto com a chinesa Sinovac.
Na economia, não há administração mais liberal. No ano passado, com a recessão que derrubou o PIB brasileiro em 4,5%, a economia paulista cresceu 0,3%, com superávit de R$ 20 bilhões. Com maioria na Assembleia Legislativa, o governo Doria aprovou uma série de medidas duras e impopulares: uma reforma da previdência com economia de quase R$ 60 bilhões em 15 anos, uma reforma administrativa que prevê a extinção de empresas estatais e autarquias e demissão de servidores não estáveis e uma redução linear de 20% nos benefícios fiscais.
Mas Doria é um candidato pesado. Não é popular em São Paulo e nas pesquisas presidenciais mal passa de 5% das intenções de voto. Afobado, o governador reage sempre um tom acima. Confiante, não escuta assessores. Arrogante, trata aliados como serviçais. Mesmo quando toma decisões a favor dos mais pobres, é incapaz de passar empatia. A sua viagem a Miami depois da decretação de interdição em São Paulo é um reflexo de insensibilidade. Teimoso, Doria é um candidato que os eleitores de esquerda teriam dificuldade de votar num segundo turno, mesmo contra Bolsonaro.
Alguns desses traços da personalidade do governador ficaram evidentes na segunda-feira, quando organizou um jantar em São Paulo para tentar expulsar a ala bolsonarista do PSDB, assumir a presidência da legenda e tornar sua candidatura em 2022 inevitável. Deu tudo errado. Primeiro, Doria vazou sua intenção aos jornais antes de os convidados chegarem. O convidado de honra, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, faltou ao encontro. O atual presidente do partido, Bruno Araújo, ficou ofendido. E o líder dos tucanos bolsonaristas, Aécio Neves, ainda o chamou de “oportunista”. Ser chamado de oportunista pelo Aécio Neves é um ironia ambulante. Doria tem a iniciativa, mas tropeça em si mesmo.
Se a pré-candidatura Doria é espalhafatosa, a de Huck é quase secreta. Apresentador de sucesso, personalidade das redes sociais, Huck foi no limite das suas possibilidades de críticas a Bolsonaro em artigos recentes na Veja e na Folha, mas não assume nada. Deixa sempre a porta aberta para desistir, seja pela possibilidade de assumir o lugar de Fausto Silva como apresentador da Globo nos domingos à tarde, seja pela falta de certezas.
Até o Natal, Huck parecia tender a se filiar ao Democratas e liderar uma candidatura com apoio do Cidadania, Rede e PV e talvez o PSD. Com a implosão do DEM, as conversas foram suspensas. Se se filiasse neste ano, seriam grandes as chances de Huck virar moeda de troca de alguma legenda com o bolsonarismo.
Huck parece encarnar o candidato que se o cavalo passar encilhado, montará, mas que se não passar, tudo bem. Falta a ele a gana facilmente encontrável em Doria ou Ciro Gomes. Ser o candidato de uma determinada circunstância mostra uma razoabilidade incomum, mas dificilmente desperta as paixões necessárias para enfrentar um adversário tão quente quanto Bolsonaro. A política não está acostumada com o estilo blasé.
É lógico que é possível ter Doria e Huck na campanha do ano que vem, mas a história recente mostra que a pulverização em eleições polarizadas faz com que um anule o outro. Foi assim com a miríade de candidatos de 2018. Geraldo Alckmin, João Amoêdo, Henrique Meirelles, Marina Silva e Álvaro Dias fizeram papeis de figurantes para Bolsonaro e o PT. Foi assim nas eleições municipais do Rio, no qual a esquerda acabou lambendo sabão depois de se dividir entre Martha Rocha, do PDT, e Benedita da Silva, PT, Renata Souza, PSOL.
Doria e Huck disputam os mesmo eleitores potenciais, uma parcela da classe alta e média alta que votou em Bolsonaro em 2018 e hoje rejeita o presidente com vigor. São eleitores mais ricos, mais bem informados e mais influentes, capazes de mover o humor da mídia, do empresariado e da mídia. É o famoso establishment que Dilma Rousseff perdeu e que em 2018 cravou 17 com força para impedir a volta do PT.
Acompanhamento sistemático das redes sociais bolsonaristas mostra que o presidente teme este candidato do centro/centro-direita mais que qualquer outro. Nas redes de WhatsApp bolsonaristas, há quatro ataques contra Doria para cada um contra o PT. Nas projeções do Planalto, um candidato de centro conseguiria formar uma frente antibolsonarista. Um candidato do PT, não. 2022 já começou e está andando rápido.