Bolsonaro vai entregar a cabeça de Ricardo Barros à CPI
Para criar cordão de isolamento, presidente diz que “não pode saber de tudo” que se passa nos ministérios
O presidente Jair Bolsonaro é imbatível na técnica de mudar de assunto quando está sob pressão. Quando seu assessor Fabrício Queiroz foi preso, ele demitiu o ministro Abraham Weintraub e fechou o acordo de dividir o governo com o Centrão de Arthur Lira. Quando a Covid passou a matar mais de 100 mil brasileiros, ele inventou o charlatatismo dos remédios preventivos. Quando o Instituto Butatan fabricou sua vacina, ele passou a insinuar que, por ter insumos chineses, o imunizante não prestaria.
Hoje pela manhã, Bolsonaro comemorou a morte do criminoso Lázaro Barbosa, assunto sobre o qual o governo federal não tem nenhuma responsabilidade. “Lázaro: CPF cancelado”, postou Bolsonaro, reproduzindo a gíria dos policiais quando alguém morre. A intenção do post é causar reações entre defensores de direitos humanos e assim desviar a atenção do fato que tira o sono do presidente, a CPI da Covid.
Horas antes de saber da notícia da morte do criminoso, Bolsonaro testava com alguns eleitores um pretexto para não ser responsabilizado pelas investigações de favorecimento na encomenda da vacina indiana Covaxin.
À CPI, o deputado Luis Mirando e seu irmão Ricardo Miranda contaram na sexta-feira, 25, ter revelado ao próprio presidente um esquema de corrupção na compra da Covaxin. Segundo o deputado, o presidente teria respondido se tratar de participação do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros. Há suspeitas de que a conversa possa ter sido gravada. Ministros do entorno de Bolsonaro defendem que o presidente culpe Barros pelo episódio.
Cercado por apoiadores, Bolsonaro disse hoje que “não tem como saber de tudo”. “Ele [o deputado Luis Miranda] que apresentou [informações sobre a compra da vacina], eu nem sabia como é que estavam as tratativas da Covaxin porque são 22 ministérios. Não tenho como saber o que acontece nos ministérios, vou na confiança em cima de ministro, e nada fizemos de errado”, disse.
“Agora, os caras botam a narrativa ‘a vacina fissura o governo Bolsonaro no tocante à corrupção'”, queixou-se o presidente, que alegou que nenhuma vacina foi de fato comprada.
É meia verdade. O governo empenhou o valor para a compra das vacinas, mas o dinheiro não foi desembolsado porque o irmão do deputado Luis Miranda, que é funcionário do Ministério da Saúde, não assinou a autorização e denunciou o esquema.
O plano de Bolsonaro é entregar a cabeça do líder do governo, permitindo à CPI ter um troféu e assim mudar de assunto: falar sobre a morte de criminosos ou a lei da impressão do voto, por exemplo. A questão é se os senadores Omar Aziz, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues, os líderes da CPI, vão cair.
Nesses dois meses, a CPI já provou que o presidente Bolsonaro foi intencionalmente negligente na compra de vacinas em 2020, montou um gabinete paralelo ao Ministério da Saúde para assessorá-lo, transformou a tese da imunidade de rebanho em política de Estado, cometeu charlatanismo ao propagandear as cloroquinas e ivermectinas e usou seu poder de influência para dificultar os lockdowns nas cidades.
A partir do depoimento dos irmãos Miranda, sabe-se que enquanto a Pfizer tinha seus e-mails ignorados e a Coronavac era ridicularizada, funcionários do Ministério da Saúde apressaram a compra da Covaxin em um contrato de R$ 1,6 bilhão. Para comparar: cada dose da Covaxin sai a US$ 15, enquanto a Pfizer sai entre US$10 e U$12 a unidade.
Jogar Ricardo Barros ao mar é arriscado diante da influência do deputado junto ao Centrão, mas segundo ministros políticos seria o risco para criar um cordão de isolamento em torno do presidente.
Eleito com um discurso anticorrupção, Bolsonaro teve dois ministros indiciados pela Polícia Federal (Ricardo Salles e Álvaro Antonio), um que fugiu do País para não ser preso pelo STF (Abraham Weintraub), um secretário investigado por ter entre seus clientes as empresas concessionárias da pasta (Fabio Wajngarten), um líder do governo alvo de inquérito por corrupção (Fernando Bezerra) e um ministro da Justiça demitido por ter se recusado a mudar o delegado que investigava o filho do presidente. Esse histórico mostra que Bolsonaro não vai hesitar em descartar mais um aliado.