Review – Borgia, versão de Tom Fontana
Esta é uma produção do Canal + da França em parceria com o ZDF da Alemanha. A estreia ocorreu primeiro na Itália, em julho de 2011. Em outubro, Borgia foi exibida na França, Áustria, Alemanha, Israel e Estados Unidos (pelo site Netflix). Filmada na República Tcheca, a série foi produzida no idioma inglês, contando com a participação de […]
Esta é uma produção do Canal + da França em parceria com o ZDF da Alemanha. A estreia ocorreu primeiro na Itália, em julho de 2011. Em outubro, Borgia foi exibida na França, Áustria, Alemanha, Israel e Estados Unidos (pelo site Netflix). Filmada na República Tcheca, a série foi produzida no idioma inglês, contando com a participação de atores que representam diversos países.
Borgia foi anunciada na mesma época em que o Showtime encomendou a primeira temporada de The Borgias, estrelada por Jeremy Irons. Segundo o Hollywood Reporter, existiu uma tentativa de unir as duas produções, mas Neil Jordan, responsável pela série americana, e Tom Fontana não conseguiram chegar a um acordo em relação aos rumos da história e sua abordagem.
Como resultado, o público tem duas séries que pretendem traçar a trajetória da família Borgia, a partir da vida de Rodrigo, que se tornou o Papa Alexander VI em 1492.
O texto abaixo contém spoilers.
Na versão de Fontana, Rodrigo Borgia é vivido por John Doman (The Wire e Damages), que oferece uma interpretação mais séria e objetiva do personagem, evitando transformá-lo em um fanfarrão. Este Rodrigo mantém uma integridade própria, na qual considera o assassinato político uma necessidade, mas que não deve ser utilizado como um recurso. O inimigo precisa ser combatido através de manobras e acordos, os quais podem ser quebrados quando as necessidades se apresentam.
Nascido na Espanha, Rodrigo sempre foi tratado pelos italianos como estrangeiro. Este talvez tenha sido o principal motivo que o levou a desejar dominar Roma. Para tanto, precisaria ser eleito Papa. Ao longo de 27 anos ele trabalhou para que essa oportunidade surgisse. Tendo perdido duas eleições anteriores, Rodrigo está determinado a ser eleito, custe o que custar, quando Inocêncio VIII morre.
É durante o conclave, que dura três dias (retratados em dois episódios), que Rodrigo revela todo seu poderio de manipulação política. Os demais Cardeais exitam em elegê-lo pois, além de ser estrangeiro, sua conduta moral compromete o cargo. Assim, ele faz diversos acordos e promessas, além de cobrar favores para conseguir com muito esforço ser eleito. Mesmo assim, não é por unanimidade.
Rodrigo nunca assumiu os filhos que teve com Vanozza, de quem está separado há algum tempo. Tendo sido casada anteriormente, os filhos de Vanozza são apresentados como os sobrinhos de Rodrigo. Razões políticas o levam a assumir no episódio seis a paternidade de seus filhos, que não tinham certeza quem era seu verdadeiro pai.
Ao longo da história, vemos um homem frio e calculista traçar seu caminho para o poder, bem como sua luta para se manter no cargo. Para conseguir ser eleito, Rodrigo promete adotar os princípios rígidos estipulados pela igreja, além de afastar de Roma seus sobrinhos/filhos. Para conseguir o último voto, ele promete casar Lucrécia com Giovanni, sobrinho do Cardeal Sforza.
Mas Rodrigo não cumpre tudo o que prometeu. Ele mantém como amante Giulia Farnese, esposa do oficial Orsino Orsini, filho de Adriana, prima de Rodrigo, que atua como uma espécie de governanta da família Borgia. Além disso, ele substitui o chefe de segurança por seu filho Juan e elege Cesare como Cardeal, antes mesmo dele ter sido ordenado padre.
Por questões políticas, cumpre a promessa de casar Lucrécia com Giovanni, mas a mantém afastada do marido, que não consegue consumar o casamento. Apenas quando se torna politicamente conveniente para ele é que Rodrigo permite a consumação. Mas, para desespero de Lucrécia, Giovanni se revela impotente.
Quando assume a paternidade de seus filhos, Rodrigo provoca a ira do Cardeal Giuliano della Rovere, que até então vinha sufocando seu descontentamento por ter perdido a eleição para Papa. Rumores de que Rodrigo mantém relações sexuais com Lucrécia, que também dividiria a cama com seus irmãos, Cesare e Juan, não são suficientes para tirar Rodrigo do poder. Assim, della Rovere parte para a França para buscar alianças políticas que derrubem seu oponente.
Ao longo de quatro episódios, a história apresenta o vai-e-vem político que faz com que inimigos se tornem amigos e vice-versa. Os principais rivais de Rodrigo são os Colonna e os Orsini. Através de acordos e promessas, algumas quebradas pelos caminho, Rodrigo consegue se manter no cargo. Declarando seu amor por Roma ele acredita que está fazendo um bem à cidade e à igreja.
Nesta versão, Rodrigo não confia em seus filhos, que ele considera incompetentes e indisciplinados. Seu braço direito é Francesc Gacet, com quem articula seus planos. Enquanto Juan não se importa com Rodrigo, Cesare é um jovem que vive à sombra do pai tentando lhe chamar a atenção e conquistar seu respeito.
Quando Cesare nasceu, Rodrigo fez um trato com Deus: o menino cresceria sem pecado e dedicaria sua vida à igreja, permanecendo puro. Em troca, Deus permitiria que Rodrigo se tornasse Papa. Em função dessa promessa ele obriga Cesare a seguir uma carreira na igreja, contrariando os desejos do filho, que preferia ser oficial militar. Em nome da família, Cesare tenta manter a promessa feita por seu pai (que ele acreditava ser seu tio). Assim, sempre que sente desejos ou fúria ele se autoflagela.
Durante o período do Conclave, Cesare percebe que pode ter comprometido o futuro de Rodrigo. Tentando recuperar sua pureza ele oferece a Deus seu filho recém-nascido, de uma relação que ele mantinha em segredo. Acreditando ter sacrificado seu próprio filho para que o tio/pai conquistasse seu sonho, Cesare ignora que a criança foi salva por seu melhor amigo, o irmão de Giulia, a amante de seu pai.
Nada do que faz parece conseguir atrair a atenção de Rodrigo que, por questões políticas, negocia um acordo com Marcantonio Colonna quando Roma enfrenta a França. Este acordo estipula que Cesare seja entregue como prisioneiro. Durante este período, Cesare é violentado (supõe-se que regularmente), o que ele parece considerar ser seu flagelo final. Na versão americana é Lucrécia que é violentada, neste caso pelo marido.
Quando manobras políticas o levam de volta à Roma, Cesare retorna com uma postura mais determinada. Ele não teme a fúria do pai, nem luta para conquistar sua atenção, embora ainda defenda o nome da família. Cesare também passa a enfrentar abertamente seu irmão Juan, com quem ele constantemente discorda.
Juan é um homem violento e incompetente para o cargo que ocupa. Buscando satisfazer apenas seus interesses imediatos, ele não pensa no futuro ou nas razões que levam Rodrigo a tomar as atitudes que considera necessárias para se manter no poder. Nesta versão, é Juan quem mantém um assassino à sua disposição.
Um acordo político força Juan a se casar contra sua vontade. Mas isto não o impede de manter relações com a esposa de seu irmão Jofre que aos 11 anos é forçado a se casar para manter um acordo político.
Após o conflito com a França, a temporada dedica os três episódios finais ao assassinato de Juan e suas consequências.
É a morte de Juan que leva Rodrigo a uma profunda reavaliação de sua conduta. Acreditando estar sendo punido por Deus, ele decide implementar as reformas que vinha prometendo, o que afeta a vida de cada membro de sua família, em especial Cesare.
Em meio a tudo isso, Lucrécia é uma jovem que, no início da história, recém entrou na puberdade. Mimada, ingênua e determinada a seguir o destino que as mulheres de sua época têm, ela cobra do tio, que mais tarde descobre ser seu pai, um casamento. Após passar por um período enferma, ela decide entrar para o Convento, o que não é aceito por Rodrigo. Ao longo de sua trajetória, Lucrécia rebela-se e contraria a vontade do pai em diversas ocasiões.
Sua participação é restrita à da jovem adolescente que tenta encontrar um lugar no mundo. Se renovada, a série deverá apresentar uma versão mais adulta da personagem.
Além da trajetória, a versão de Tom Fontana difere em outros aspectos da produção do canal Showtime. Enquanto que The Borgias explora a luta pelo poder através da violência e do sexo, utilizando uma edição que oferece um ritmo mais ágil para a trama, a produção francesa é essencialmente um drama político. Com um ritmo mais lento, a série não se apóia nas cenas de violência e sexo para narrar sua história. Elas existem, mas aparecem apenas para determinar a personalidade de personagens ou pontuar um momento ou uma ideia.
Basicamente, os personagens da série do Showtime se movem a partir de seus desejos e luxúrias, enquanto que na produção de Tom Fontana os personagens são construídos a partir de seu racional, o que os leva a viver um jogo de xadrez político no qual as peças são movimentadas através da manipulação de interesses, ideologias, fé e ganância, bem como dos conflitos morais que fazem parte da cultura de sua época.
Outra diferença significativa é que na produção de Fontana os Cardeais têm vida e personalidades próprias. Eles não são meros figurantes que são mortos ou baixam a cabeça sempre que Rodrigo se manifesta. Nesta versão, eles enfrentam o Papa, colocando em dúvida suas ideias e atitudes. Os dois episódios que retratam o Conclave são bons exemplos. A partir desta situação, alguns Cardeais ganham rostos e opiniões. Nem todos permanecem na história, visto que alguns deles partem para a França em busca de aliados para tirar Rodrigo do poder. A série falha em não mostrar ao público as cenas em que eles tramam com a França a invasão da Itália.
Ao longo da história, Rodrigo precisa negociar novamente com os Cardeais que o cercam. Alguns ele trai e com outros ele reata alianças. Nos episódios finais, durante o inquérito da morte de Juan, um dos Cardeais se manifesta contra Cesare, assumindo o controle das investigações.
Além de Rodrigo, Lucrécia e Cesare, Vanozza também tem uma personalidade e comportamentos diferentes do que é retratado pela série americana. Aqui ela é uma mulher consciente do lugar que ocupa no mundo de Rodrigo. Já casada com outro homem, Vanozza não se ressente da forma como é ignorada pelo ex-amante. Com isso ela não cobra afeição, nem protagoniza cenas de ciúmes.
O problema na versão de Fontana é que muitas mudanças do quadro político são retratadas através de relatórios. Boa parte do conflito entre Roma e França é vista através de diálogos expositivos que relatam a situação, e não por cenas de movimentos de tropas ou por diálogos entre os protagonistas da ação.
Com isso, os quatro ou cinco episódios que apresentam esse período se apóiam em uma quantidade enorme de informações passadas em forma de relatórios à Rodrigo, que é constantemente informado sobre as manobras dos inimigos. Por outro lado, o conflito encerra com uma divertida situação protagonizada entre Rodrigo e o Rei da França, no jardim do Vaticano.
A produção foi inicialmente divulgada como uma minissérie, mas em conversa com jornalistas durante o TV Fest em Monte Carlo, em 2011, o produtor Takis Candilis disse que se trata de uma série de TV, com a primeira temporada composta de 12 episódios. Sua renovação depende da audiência que a série conseguirá conquistar durante a exibição da primeira temporada em países europeus. Borgia já foi comprada por canais da Espanha, Rússia, Polônia, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Áustria e mais 40 países.
Na França, Borgia estreou em canal a cabo com 1.7 milhões de telespectadores, número maior que o conquistado pela série do Showtime nos EUA, que registrou cerca de 1.06 milhões ao vivo. Na Alemanha, a série de Tom Fontana estreou com 6.5 milhões de telespectadores, em rede aberta. Até o momento não há informações sobre a produção da segunda temporada
Em 2011, a produção foi vendida para a HBO Latin America, mas ainda não há previsão de quando será exibida no Brasil. Por enquanto ela está disponível em DVD e Blu-Ray no mercado internacional.
Fernanda Furquim: @Fer_Furquim
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