Todo incluso é incluído, mas nem todo incluído é incluso
“Qual é a forma correta: incluso ou incluído?” (Guilherme Mendes) Ambas estão corretas, Guilherme – o que não quer dizer que não faça diferença empregar uma ou outra. Vamos começar recuando um pouco na história das duas palavras. Incluir é um daqueles verbos que os gramáticos chamam de abundantes, como aceitar, eleger e gastar. Isso […]
“Qual é a forma correta: incluso ou incluído?” (Guilherme Mendes)
Ambas estão corretas, Guilherme – o que não quer dizer que não faça diferença empregar uma ou outra. Vamos começar recuando um pouco na história das duas palavras.
Incluir é um daqueles verbos que os gramáticos chamam de abundantes, como aceitar, eleger e gastar. Isso significa que têm dois particípios: um regular (incluído, aceitado, elegido, gastado) e outro irregular (incluso, aceito, eleito, gasto).
Particípios regulares, formados segundo as regras do próprio português, e irregulares, em geral formas cultas derivadas diretamente do latim, travaram ao longo dos séculos de formação do português moderno uma guerra discreta. Houve casos em que o irregular caiu em desuso, sobrevivendo apenas como substantivo – como ocorreu com a palavra cinto, nascida como particípio irregular do verbo cingir.
Em compensação, houve particípios irregulares que, a princípio ignorados, terminaram por se impor, fazendo a forma regular soar deselegante. Até o século XV os grandes autores portugueses só conheciam “elegido”, mesmo na voz passiva. Foi a partir do XVI que “eleito” o destronou.
Não existe uma regra que abarque todos os empregos de todos os verbos abundantes. Como diretriz geral, vale ter em mente que o particípio regular é mais usado na voz ativa (“ter gastado, ter aceitado”) e o irregular, na passiva (“ser ou estar gasto, ser ou estar aceito”).
O caso de incluído/incluso tem algumas peculiaridades. Incluir nem consta da lista (não exaustiva) de verbos abundantes da gramática de Evanildo Bechara, por exemplo. A razão para isso é simples: embora incluso seja palavra dicionarizada desde o século XV, derivada do latim inclusus, até alguns anos atrás era bem raro que desse as caras na linguagem comum. Quando o fazia, na maioria das vezes vinha ao lado do substantivo “siso”, para designar aquele dente que não despontou.
Incluso era, como “sito” (particípio irregular de situar), uma joia vocabular do juridiquês, a língua empolada falada nos tribunais. Não é mais. Em algum momento indefinido, provavelmente próximo do fim do século passado, passou a circular com desenvoltura na linguagem do comércio e da burocracia: “pilhas não inclusas”; “frete incluso”; “imposto incluso”.
A princípio isso me soava meio besta e pernóstico (ainda soa, na verdade), mas parece que a moda está pegando. O que pode ser visto como prova de que ainda não terminou a tal guerra surda no reino dos verbos abundantes. Só uma observação: se você gosta de incluso, tome cuidado para usá-lo apenas como adjetivo ou, vá lá, em construções na voz passiva.
Exemplo: é considerado correto dizer que “O imposto está incluso no preço” e aceitável, embora menos comum, que “O imposto foi incluso no preço”, mas nunca que “O vendedor tinha incluso o imposto no preço” – neste caso, deve-se dizer que ele “tinha incluído”. Já incluído tem a vantagem de poder ser empregado em todas essas construções.
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