Está certo dizer que uma fruta está ‘de vez’?
“Existe o adjetivo ‘de vez’ ou ‘devez’ para se referir a frutas ou verduras que estejam naquele estado entre verde e madura? Já ouvi muito isso (e falei muito quando criança), mas nunca vi nenhuma referência na literatura. Obrigado.” (Iosnir Siqueira) Sim, Osnir, a locução adjetiva “de vez” é um brasileirismo consagrado. Qualifica a fruta […]
“Existe o adjetivo ‘de vez’ ou ‘devez’ para se referir a frutas ou verduras que estejam naquele estado entre verde e madura? Já ouvi muito isso (e falei muito quando criança), mas nunca vi nenhuma referência na literatura. Obrigado.” (Iosnir Siqueira)
Sim, Osnir, a locução adjetiva “de vez” é um brasileirismo consagrado. Qualifica a fruta que está perto de amadurecer, mas ainda conserva algo de verde.
Para o Houaiss, quer dizer “quase maduro”. O Dicionário de Usos de Francisco Borba se estende um pouco mais: “Quase maduro, em tempo de colher, mas não de ser consumido”. O Aurélio se cala, infelizmente, mas a definição de Iosnir também é boa: “naquele estado entre o verde e o maduro”.
Embora a origem da expressão seja menos clara que seu sentido, é provável que a chave esteja naquele “em tempo de colher” mencionado por Borba: “de vez” seria o que está na vez de ser colhido, a fim de aguardar o amadurecimento em segurança, longe do pé e das ameaças representadas por fenômenos atmosféricos, pássaros e moleques indomáveis.
(Borba só deixa de levar em conta, ao dizer que as frutas de vez ainda são impróprias para consumo, que não falta quem prefira sua consistência mais firme e seu sabor equilibrado entre o doce e o amargo.)
“É possível que a urbanização desenfreada das últimas décadas esteja tornando antigo esse jeito de falar, mas acho que “de vez” é figurinha fácil demais no Brasil rural e suburbano para entregar os pontos sem luta. Há indícios de sua presença em diversas regiões também.
Quanto à presença na literatura, que não é pequena, basta citar um trechinho de “Menino de engenho”, livro de estreia de José Lins do Rego, baseado em sua infância no interior da Paraíba e lançado em 1932. O narrador do romance conta que perdeu a virgindade aos 12 anos com uma prostituta chamada Zefa Cajá – e faz de “fruta de vez” uma metáfora de sua precocidade:
Ela me acariciava com uma voracidade animal de amor: dizia que eu tinha gosto de leite na boca e me queria comer como uma fruta de vez.
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