MEU ÚLTIMO POST SOBRE GERALD THOMAS
Pretendo seja este o meu último post sobre Gerald Thomas. Para brigar ou fazer sexo, assunto em que ele se considera especialista e candidato a meu mestre, é preciso haver concordância entre os parceiros ou entre os duelistas. Para mim, Gerald, já está bom. Conheço os seus argumentos: na sua opinião, escrevo o que escrevo […]
Depois que aderi à monogamia, já fugi de sexo algumas vezes — o que talvez você considere imperdoável —, mas jamais de um boa briga, o que, vejam só, pode ser, à sua maneira, também imperdoável. Vamos lá, ao que pode ser o último post.
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Um dos segredos de Gerald Thomas sempre foi se comportar como um inimputável. Não. Nem me refiro ao sentido legal da palavra, este que protege, por exemplo, o Apedeuta monoglota. Refiro-me à, vá lá, imputabilidade (eu quis escrever “imputabilidade” mesmo) das idéias: o que se pensa, o que se fala, o que se propõe, tudo isso tem história, não é?, tem um peso, conseqüências. Sempre foram franqueados a Thomas o comportamento inesperado e a reação aleatória, idiossincrática, como expressão de sua liberdade criativa. É… Num chefe de estado, isso faz os tiranos. Num diretor de teatro, constrói-se um mito de curta duração — sempre considerando que este, claro, pode se divertir a valer com a sua pequena tirania. Daí pode até sair uma figura interessante, atraente, mas jamais um mestre. Mestres criam um método. E o método se faz com a observância de regras e o cumprimento de expectativas.
É preciso escrever de novo: foi Thomas quem atravessou a rua para brigar comigo, embora, como o próprio disse, ele seja “Thomas”, e eu, ninguém. Se bem se lembram, ele atribuiu as minhas críticas a Fidel Castro e a alguns dos porta-sacos do ditador no Brasil (Frei Betto, Niemeyer e Chico Buarque) à falta de sexo. Foi além: ofereceu-se para me dar umas “dicas”. Em seu post mais recente, convida-me a fazer teatro…
Dicas de sexo? No dia 25 de dezembro de 2001, Thomas resolveu rivalizar com alguns notáveis da literatura e escreveu o seu próprio “conto” O Peru de Natal. Num texto intitulado “A quebra dos tabus”, este pensador original saudava com entusiasmo, como caminho de uma verdadeira revolução, a proposta de uma faculdade holandesa. Deixemos que ele mesmo explique (seu texto segue na íntegra no pé deste post):
“ Uma universidade de Filosofia na Holanda deu a seguinte tarefa para seus pós-graduandos: os homens (somente os heterossexuais) deveriam ter uma breve experiência homossexual e descrevê-la num ensaio literário. Bem, não era exatamente “qualquer” relação homossexual que se pedia. Os mentores da proposta queriam atacar o tabu dos tabus (entre heteros) e criaram regras muito específicas: os futuros filósofos deveriam propor a um outro homem (também sem antecedentes gays) uma sessão de sexo oral. Ou seja, os alunos teriam que performar um boquete, e tem mais: teriam que ir até o fim, até o orgasmo (do outro) e nada de cuspir!” E emendou: “Não é incrível? Eu achei genial. Bem, tá bom, ela não é realmente genial, mas achei a proposta enormemente corajosa.”
Que nada! Thomas toma esse ato corajoso como uma espécie de caminho para a paz perpétua kantiana A felação, com a conseqüente ingestão de sêmen — entre heterossexuais (?), bem entendido —, teria, parece, o poder de impedir as guerras. Ao enfrentar “tabus” como esse, escreve Thomas, “já estaríamos alguns passos mais perto da belíssima filosofia prática e do maior tratado contra a hipocrisia na história da humanidade, a de Jesus Cristo. Hoje é dia dele. Parabéns”. Pô, não bastou a crucificação? Quatro dias depois, num artigo em O Globo, o filósofo Olavo de Carvalho comentava a diatribe (íntegra aqui): “O que é o gênio, meus amigos! Ao longo de dois milênios, em todo o cortejo dos papas e doutores, ninguém se deu conta, com a inteligência iluminada do sr. Thomas, de um método tão simples e eficiente de evangelização. Se não fosse a intervenção providencial desse cavalheiro, jamais teríamos percebido que Nero, Calígula e os outros aficionados da felação descritos na História dos Doze Césares, de Suetônio, estavam mais próximos do espírito cristão do que aqueles mártires que, desconhecendo o verdadeiro sentido da oralidade evangélica, se deixaram devorar pelos leões.”
Ironizei aqui, dia desses, a mania que certos artistas brasileiros têm de falar sobre qualquer assunto. Lembram-se? Foi quando comentei uma suposta resposta do roqueiro Arnaldo Antunes a um texto de Nelson Ascher, colunista da Folha. Os esquerdistas acusaram-me de defender a censura. Errado. O que lastimo é que algumas personalidades, com a fama adquirida em sua profissão, passem a ser consideradas autoridades para dar pitaco em assuntos sobre os quais não têm domínio. Por que a opinião de Niemeyer sobre Fidel Castro tem importância? Ele é historiador, economista ou, sei lá, um remanescente de Sierra Maestra? Não! Ele é arquiteto. É a arquitetura que lhe dá visibilidade — mas ela não lhe confere autoridade técnica e muito menos moral para defender um homicida. O mesmo vale para os outros que critiquei, o que deixou Thomas bravo e tentado a me dar “dicas” de sexo.
Bem, ele próprio padece deste mal, não é? No tal artigo que trata da felação como “uma chance à paz”, ele se arrisca no terreno da psicanálise: “O fato é que, hoje, o sexo praticado por um círculo cada vez maior lida muito mais com a dor, a humilhação, a dominação do que com o ato sexual em si e, às vezes, nem inclui a genitália ou tem o orgasmo como objetivo. Tim Leary talvez explicasse que, nesse nosso mundo de Orwell e Huxley, o prazer sexual só poderia existir se viesse acompanhado de crueldade e escapismo na direção dos tabus proibidos.” Data venia, trata-se de uma simplificação grosseira, típica de um abelhudo.
Abaixo, publico, na íntegra, aquele artigo de Gerald Thomas. Faço-o porque sei que poderia ser acusado de manipular os seus postulados. Retorno em seguida para concluir:
Talvez essa não seja a data mais adequada para publicar um artigo sobre a filosofia da perversidade sexual. Ao mesmo tempo, para muitos, acho que o tema pode vir como um alívio.
Uma universidade de Filosofia na Holanda deu a seguinte tarefa para seus pós-graduandos: os homens (somente os heterossexuais) deveriam ter uma breve experiência homossexual e descrevê-la num ensaio literário. Bem, não era exatamente “qualquer” relação homossexual que se pedia. Os mentores da proposta queriam atacar o tabu dos tabus (entre heteros) e criaram regras muito específicas: os futuros filósofos deveriam propor a um outro homem (também sem antecedentes gays) uma sessão de sexo oral. Ou seja, os alunos teriam que performar um boquete, e tem mais: teriam que ir até o fim, até o orgasmo (do outro) e nada de cuspir!
Não é incrível? Eu achei genial. Bem, tá bom, ela não é realmente genial, mas achei a proposta enormemente corajosa. A idéia em si, como tema filosófico não é exatamente nova. Era Timothy Leary que via nessa experiência a possível “cura” da humanidade e perseguia Norman Mailer (o hetero dos heteros) dizendo que toda sua obra teria um tom menos violento e desnecessariamente antipático se o laureado escritor tivesse a coragem de peitar o maior tabu masculino hetero.
Na verdade, na Holanda, ela não é somente mais uma idéia progressista numa longa e consistente luta contra a hipocrisia, seus preconceitos e tabus. É só ver como aquele país lida com as drogas, por exemplo. Entenderam que a proibição estimula o uso e cria máfias, e liberaram (praticamente tudo).
Mas sexo, mesmo lá, é diferente. Claro, entendemos Amsterdam como epicentro do “Red Light District” do mundo, com suas indescritíveis ramificações fetichistas, variações impensáveis do ato sexual, em cartaz em qualquer esquina. Mas, mesmo assim, o resto do país é extremamente conservador. Ou seja, propor a estudantes que saíssem por aí, em busca de um fellatio, deve ter causado muita azia ou mesmo raiva.
Uma coisa é certa: essas teses (ou ensaios), quando forem publicados, terão uma repercussão estrondosa no mundo inteiro, afinal, o sexo está escondido, embutido, disfarçado em tudo. Desde a venda de um carro ou o jogo político internacional até a simples relação entre dois garçons, a libido, a sede do poder, a obsessão pela vitória e o sucesso, a dominação e a sedução não nos deixam em paz desde o dia em que nascemos.
Se vocês vivessem nos Estados Unidos, constatariam que essa “caça” por Bin Laden transbordou todos os parâmetros “normais”. É difícil não notar, no tom e na expressão dos políticos e militares americanos, um certo gostinho de foreplay sexual, cada vez que afirmam “que ele já está praticamente morto”.
Vinganças e ameaças, fugas e perseguições têm gosto de sexo. A busca enlouquecida pelo esconderijo do inimigo tem gosto de sexo. E esse sexo termina em morte.
Será que as sociedades, no mundo inteiro, não estão praticando uma semelhante forma obscura, escondida e “proibida” de sexo?
É só comprar qualquer fita erótica nas bancas. Um artigo, há tempos, explicava que, na rotação normal do vídeo, não havia nada de estranho. Mas, se o comprador assistisse ao filme em slow motion, aí apareceriam coisas surpreendentes. Antigamente os fetiches eram considerados coisa suja, imoral, doente. Mas hoje, pelo menos a metade da indústria do sexo tem produzido (obviamente por causa da demanda) filmes que lidam somente com fetiches. E em fetiches, por favor, leia-se fezes.
Mas você não encontrará esses detalhes com facilidade. Ainda é tabu e tabu requer manobras. E como vende! Disfarce? Hipocrisia? O mundo inteiro finge ignorar tudo aquilo que sai do rumo previsível.
O fato é que, hoje, o sexo praticado por um círculo cada vez maior, lida muito mais com a dor, a humilhação, a dominação do que com o ato sexual em si e, às vezes, nem inclui a genitália ou tem o orgasmo como objetivo. Tim Leary talvez explicasse, que nesse nosso mundo de Orwell e Huxley, o prazer sexual só poderia existir se viesse acompanhado de crueldade e escapismo na direção dos tabus proibidos.
Pois a tal universidade na Holanda teve a coragem de enfrentá-los, os tabus. Quem sabe o resto do mundo também não ache soluções criativas para a Filosofia. Se as sociedades, religiões, organizações, partidos e governos abordassem “honestamente” pelo menos um décimo dos tabus que residem debaixo de nossas peles, como cupins, já estaríamos alguns passos mais perto da belíssima filosofia prática e do maior tratado contra a hipocrisia na história da humanidade, a de Jesus Cristo. Hoje é dia dele. Parabéns!
Concluo
É, esse assunto já me aborreceu. Meu bom humor me obriga a dizer que eu e Thomas estamos proibidos de filosofar. Eu não sei alemão. Ele também não, hehe.
Perde seu tempo quem achar que estou chocado com o que vai acima. Tenho uma vida que talvez Thomas considere careta, convencional, mas não sou do tipo que se mete nas opções alheias. A vida privada das pessoas não me interessa. Ah, claro: ele desconfia que o Natal possa não ser a melhor data para expressar esse entendimento tão particular do cristianismo. E… Na Páscoa, talvez…
Thomas faz alusão em seu blog a mensagens agressivas que estaria recebendo. Não estimulo e, na verdade, lastimo. Quem tem um blog aberto a comentários, como tenho (e ele também), recebe o diabo. Se eu publicasse todas as ofensas que me chegam, o ambiente ficaria irrespirável. A exemplo do que fez o dramaturgo, a alusão aos meus tumores é só a parte engraçada do que chega.
Assim, fica um pedido, embora eu não tenha controle sobre isso porque não sou chefe de torcida: evitem ofensas, agressões, baixo calão. No que me diz respeito, já disse o que tinha a dizer.
Espero que Thomas cuide do seu teatro, da sua vida, que seja feliz. É o meu desejo permanente a qualquer homem. Ele “se desculpou” comigo quando foi informado dos meus tumores “no cérebro” (sic). Prefiro pensar que foi uma ironia boba, não uma canalhice. Parecia dizer: “Pô, se eu soubesse, não teria batido em você por piedade”. Bobagem, Thomas! Tumores não existem para dar lição de moral a ninguém, e bom mesmo é jamais tê-los. Também não conferem inimputabilidade a seus portadores. Você me atacou porque julgou justo e merecido. Eu respondi pelas mesmas razões. Eu não tenho uma parte do crânio, e você tinge o cabelo. E daí?
Thomas também insiste em que ele é famoso, e eu, não. Huuummm… Poderia dizer um “depende o grupo” e tal. Mas não vou. Ele está certo. Uma das coisas que mais me divertem, Gerald, embora isso esteja se tornando menos freqüente, é me perguntarem: “Quem você pensa que é? Sabe com quem está falando?” Geralmente sei com quem estou falando, e, com efeito, “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada”. Isso, amigo, nos devolve ao começo e ao fim de qualquer história pessoal, não é?
Entre o nada inicial e o nada final, a gente vai brigando, um pouco, no caminho.
No que depender de mim, chega, Gerald!
LOVE pra você também.
PS: Aqui ou lá, queridos, usem apenas a dureza do afeto que liberta, não do rancor, que sempre escraviza.