Ainda o Rio e as mistificações. Ou: A conspiração das vítimas
Conforme o previsto, quanto mais o modelo Beltrame-Cabral de combate à violência demonstra a sua inviabilidade, mais exaltado é. Fazer o quê? Que saída agora? No quinto ano de governo, se Cabral fosse combater o crime enfrentando-o, não teria Polícia para tanto; faltam homens, equipamentos, investimentos. Aliás, não teria nem mesmo cadeia. O Rio de […]
Conforme o previsto, quanto mais o modelo Beltrame-Cabral de combate à violência demonstra a sua inviabilidade, mais exaltado é. Fazer o quê? Que saída agora? No quinto ano de governo, se Cabral fosse combater o crime enfrentando-o, não teria Polícia para tanto; faltam homens, equipamentos, investimentos. Aliás, não teria nem mesmo cadeia. O Rio de Janeiro continua lindo. Fazer presídios pra quê? Com sorte, todos os bandidos deixariam o estado e migrariam para São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais… Tenham paciência!
É evidente que a vida melhorou em favelas em que o narcotráfico parou de andar de revólver e fuzil à mostra e em que não há mais risco de confronto entre facções. É evidente que os dias ficaram mais tranqüilos nas “comunidades”, como se diz por lá, em que as UPPs ou soldados do próprio Exército são convidados a atuar como seguranças do narcotráfico, garantindo que não haverá guerra de quadrilhas ou enfrentamento com aquelas excrescências que são as milícias.
Mas isso basta? É o que o estado tem a oferecer à população? Um acordo de cavalheiros com o narcotráfico? A confissão de uma falência? Como diria Jabor, “boca de fumo tem em qualquer lugar”… Mas não é em todo lugar que homens com fardas oficiais, de entes públicos, atuam como, então, pacificadores de gangues, garantindo a tranqüilidade do poder paralelo instalado.
Cascata social
Há pobres, sim, nas favelas do Rio, mas não tão pobres que não saibam distinguir o bem do mal. É matéria de escolha. No fundo, é o mesmo mecanismo que nos permite distinguir amigo de inimigo ou escolher entre um sorvete de uva e um de framboesa. É que os “antropólogos” do asfalto adoram, como escrevi, ver o pobre como um exótico. Já começo a ouvir os ecos da velha “abordagem social do crime”.
Ontem, o deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, queridinho dos descoletes do Rio, resolveu subir o morro. Ele é — uma nota à margem — o verdadeiro herói do equivocadíssimo “Tropa de Elite 2″, que virou as costas para o que havia de virtude no “Tropa de Elite 1″ (o diretor José Padilha ficou com medo da própria obra; se fosse Goethe, teria renegado Werther…).
Freixo é um dos homens que combatem as milícias no Rio. Aplaudo-o por isso. Mas também é o símbolo de uma idéia errada, essencialmente perversa e, ao contrário do que se supõe, antipobre. Por quê. Leio no Globo:
“Depois do tiroteio de ontem [anteontem], o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) – integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa – foi nesta quarta-feira ao Complexo do Alemão para conversar com moradores sobre os problemas entre a comunidade e os soldados do Exército. Segundo ele, a presença dos militares não justifica a ausência do estado em ações como postos médicos e outras ações sociais.”O Exército está atuando como força de polícia. Quero saber o que vai ser feito após a saída do Exército, que ações estão previstas para este local” .
De saída, vê-se que os soldados são os candidatos a vilões da fábula. Sejam quais forem as “ações” planejadas para o local, elas só serão efetivas com a prisão dos bandidos. E a razão é muito simples: gente de bem, a esmagadora maioria dos que moram nas favelas, não trafica droga, não rouba nem mata. Quanto mais se aperfeiçoa a infra-estrutura de um local dominado por uma máfia, mais esta se fortalece porque será ela a tomar conta dos aparelhos públicos melhorados.
Essa confusão entre “comunidade” e “bandidagem” tem um erro de origem: a suposição de que o marginal é uma vítima social. O Brasil tem tantas vítimas que eu gostaria de saber onde estão os algozes. Já notaram? Os traficantes, coitados!, são vítimas. Essas vítimas, por sua vez, vendem seu produto a outras vítimas: os que fumam e cheiram. Como diria o Apedeuta, “eu estou convencido de que” os vilões da história são, então, os que nem vendem nem cheiram pó e os que nem vendem nem fumam maconha…
É essa, como posso chamar?,”conspiração das vítimas” que impede que se faça a coisa certa. É claro que prender mais supõe uma polícia mais eficiente e menos corrupta. Mas isso é parte de uma política de segurança pública, certo?