Eu tinha 15 anos quando falei à minha mãe que queria ser escritor. Ela me encarou entre a surpresa e a preocupação e disse: “Mas, meu filho, pra viver como escritor no Brasil só o Paulo Coelho!”. A rebeldia juvenil me fez continuar a escrever. Em 2010, aos 20 anos, lancei meu primeiro livro e, desde então, publiquei outros cinco, que foram traduzidos para o exterior e tiveram os direitos de adaptação vendidos ao cinema. Sei que tive (tenho) uma trajetória incomum. Por vezes, sou usado como exemplo de escritor best-seller. Apesar disso, posso garantir: eu não vivo dos direitos autorais dessas obras. Minha mãe estava certa. Talvez só o Paulo Coelho.
Faça as contas comigo: um livro custa, em média, 50 reais. Por contrato, o autor recebe 10% do preço de capa, o que dá 5 reais por exemplar. Considerando que os livros de um autor muito popular vendem 10 000 exemplares (número difícil de alcançar), o autor recebe 50 000 reais ao final do período que leva para vendê-los, ou seja, uns dois anos. Dá, em média, 2 000 por mês. Ajuda a pagar as contas? Ajuda. Mas está longe de garantir uma vida luxuosa.
Para onde vai o restante do dinheiro?, você me pergunta. O texto é só o primeiro passo. Depois vêm o editor, o revisor, o tradutor, o artista gráfico, o diagramador, a gráfica, o divulgador, o distribuidor e a livraria. Ninguém ganha muito no final das contas. Fazer literatura no Brasil é um trabalho hercúleo, só para apaixonados. Nos últimos anos, a recuperação judicial de duas redes, Saraiva e Cultura, prejudicou o mercado e fez com que editoras, especialmente as pequenas e médias, fechassem ou ficassem no vermelho.
“Eu não vivo dos direitos autorais das obras. Minha mãe estava certa. Talvez só o Paulo Coelho”
Fiz questão de traçar um panorama porque, acredite, é sobre esse mercado em crise, com perspectivas tenebrosas, que o ministro da Economia, em sua proposta de reforma tributária, decidiu fazer incidir um imposto de 12%. Sim, a ideia é que o governo receba por livro mais que o próprio autor. A taxação também impactará no preço final. Questionado sobre a decisão, Guedes disse que deixar as obras mais caras não é um problema, já que o livro é um produto consumido pela classe alta. Mais uma vez, ele evidencia seu desconhecimento em relação aos livros e ao público leitor.
Em tempos normais, uma das principais atividades do escritor brasileiro é participar de eventos literários. Em 2019 estive em Joinville, Tocantins, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Garanhuns, Votuporanga, Brasília e Maceió. Com frequência recebo mensagens de leitores contando que vendem coxinha ou economizam dinheiro do lanche para comprar livros. O leitor médio do Brasil pertence às classes C e D, está fora dos grandes centros e conta cada centavo para obter o livro que deseja.
A proposta ainda será votada no Congresso Nacional. Se você ama os livros, o conhecimento, as boas histórias, pode fazer sua parte e pressionar nossos representantes para terem o bom senso de não aprovar a taxação. Além de assinar a petição on-line em defesa do livro (bit.ly/DefendaLivro), faça barulho, converse com os amigos, use a hashtag #defendaolivro em suas redes sociais e compartilhe posts contra a tributação. Tornar esses produtos ainda mais inacessíveis é vil e cruel, uma aberração.
Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701