Dez para as sete da noite. Hora de atualizar a estatística dos mortos e mais uma vez pensar no improvável. Desbloquear as sensações ruins e meditar sobre a melhor forma de não lutar, para que a corda esticada por ele devolva o tranco que o neutralize.
Dando caráter pejorativo ao nome de candidato preferiu esconder-se em código, revelando medo de associar sua identidade ao cargo que ocupa. Fez do HFA, Sabin, Fiocruz, aparelhos clandestinos da era democrática.
Bomba relógio em país sem paz. Há cada vez mais sócios para a vontade de transgredir. O importante não é mais o que faz, é saber como um sujeito cindido põe no bolso os bambambans do pedaço federal.
A democracia se afasta pouco a pouco da realidade seguindo a rota da subversão oblíqua da cabeça do chefe. Embora a distribuição de benefícios não contributivos de caráter emergencial para os mais necessitados deva ser louvada, quando combinada com a leniência em relação à falta de garantia de crédito para as empresas obrigadas a fechar para ajudar a combater a pandemia surge um escândalo.
Está ficando cada vez mais com cara de compra de base de desassistidos a equação de ajudar desempregados e esquecer empregadores. Crédito é crer, e se o governo não ajuda dando garantias e liquidez a quem dá emprego é ele que está enterrando a economia, não o coronavirus.
Por isso, passou a ser uma eventualidade plausível acordar na mão de capatazes e feiticeiros, pela presença de enfermidade nas instituições político-judiciais e ocultismo na saúde e na economia. Todas tratadas com magia e drogas experimentais. O trabalho dele é se misturar. Toda as manobras são a de um operador de desejos ocultos, a carne que sempre diz sim. Ó Deus lacrimejante, a quem me queixo?
Digam o que quiserem: tosco, tolo, simplório, rude, a mente pequena de um Hobgoblin vilão. Mas foi ele que já vestiu a roupa em todos que o servem. Insistam em classificá-lo: governo monstro, desarrumadinho, imenso em atrevimento e de pouca opinião. Ok. Só que a carapuça antidemocrática serve bem, também, às instituições, de terno ou de farda. Nada redime as autoridades constituídas nessa hora: estamos ao Deus dará, os mandachuvas não desconfiam de que o latido antecede a mordida.
Todos os envolvidos que podem parar o arbítrio sabem que já foram ultrapassados todos os limites e se comportam como peixes pequenos no aquário federal. Como se ali só coubesse quem aceita ocupar cargo acima da sua capacidade. Tudo está cada vez mais nivelado, supurado, coçando, azedo, gástrico. Mas como é um magnata da política, não importa que se ache acima da morte.
Uma confluência de perigos entrou na vida do país e a democracia não está tendo alcance para proteger a sociedade. As instituições não cuidam dos grandes desafios de interesse geral, somente dos detalhes operacionais sustentados pelo orçamento próprio que é a vida no poder. Distraídos, ou aderindo aos poucos, falta estatura para perceber como um inimigo da Poliarquia distribui cartas marcadas do jogo para enterrá-la durante a pandemia.
A seriedade fraudulenta de corporações, públicas e privadas, envolvidas no carteado nos dá o direito de não aceitar o peso do sofrimento. O que consola é que até podem derrotar o Brasil, mas não o farão se render. Os Três Poderes são partidários de uma espécie de crença sem reciprocidade e seus membros, especialmente os mais altos na hierarquia, atolados em seu mundinho de problemas, não têm consciência do destino espiritual de um verdadeiro líder.
Crime, quando está à vista, pede que se instaure o inquérito. Prescinde de análise para isto. Mas como os delitos presentes parecem ser praticados com estilos e ênfases diferentes, por ação ou omissão por todos os poderes, não podem contar com o luxo da moralidade pessoal da autoridade como motivação da ação. E como só há incômodo em relação à uma abstrata moralidade coletiva, não há quem possa instaurar o inquérito. Quando chegar a hora tardia terá que se estender para apurar o apodrecimento dos Poderes da União.
Resta aos brasileiros, para sobreviver, não se deixar contaminar e tentar praticar o desespero como desafio, um engajamento na autonomia e na esperança de viver em paz e progredir. Não merece o cidadão viver o desespero como abatimento pessoal.
Nem levar à sério os que podem resolver a questão política e econômica nos marcos democráticos, e não o fazem. Estes, como não tomam decisão, preferem esconder a culpa dando entrevista com ar de irritação, a alma falsa dos que vivem o desespero como afetação.
Paulo Delgado. É professor, sociólogo e consultor de empresas. Foi constituinte de 1988 e exerceu mandatos de deputado federal por Minas Gerais de 1986 a 2011. Articulista regular d’O Estado de São Paulo e assina a coluna de politica internacional dos Jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. É colaborador do Capital Político. ⠀⠀