Jair Bolsonaro voltou animado do Taj Mahal. De uma só tacada, cortou a cabeça do ministro-substituto da Casa Civil por ter voado num jatinho da FAB para compromissos em Davos e na Índia; chamou de “garoto” e praticamente puxou as orelhas do presidente que colocou no BNDES por causa dos gastos com a auditoria que descobriu que a tal caixa preta estava vazia; levantou a suspeita de sabotagem nos erros da correção do Enem; e ainda defendeu o chefe da Secom acusado de corrupção por receber pagamentos em sua empresa de emissoras de TV contratadas pelo órgão em que trabalha. Na narrativa bolsonariana, alternam-se bravatas, abobrinhas e atos demagógicos.
Mas a cada dia faz mais barulho o silêncio do presidente da República sobre problemas da vida real que começam a mostrar, um ano depois da posse, que seu governo é muito ruim de serviço. Talvez não tenha muito a dizer sob a ótica da solução séria para essas questões. E prefira adotar um estilo à la Jânio Quadros, que proibiu o biquini e a rinha de galos, para distrair as platéia.
Mas afirmar que pode ter havido sabotagem — e essa conjugação verbal que denota incerteza e introduz sempre um palpite ou chute não deveria fazer parte do discurso de um presidente — não consola nem resolve o problema dos estudantes que fizeram o Enem e se sentem lesados.
As filas de aposentadorias e outros benefícios do INSS ainda não encurtaram nem um centímetro. A óbvia decisão de demitir o presidente do INSS veio com duas semanas de atraso. O vaivém na decisão de contratar temporariamente militares aposentados, e agora também civis (depois de uma advertência do TCU), mostra que o governo vai administrando na base do improviso, sem consultas ou discussões prévias com quem entende do assunto. Anuncia medidas e tem que voltar atrás porque são inexequíveis. E tudo isso é feito com muito desgaste e exposição negativa.
Ao fim de um ano, as pontas soltas da gestão vão aparecendo a cada dia. O Bolsa Família, aquele programa emergencial que socorre os brasileiros afundados na extrema pobreza, também começa a ratear. Acumulou, no governo Bolsonaro, uma fila de quase 500 mil pessoas — que, em governos passados, costumavam ser atendidas em no máximo 45 dias. E assim vai. Qual será a próxima?
É possível até que alguns aplaudam a decisão presidencial de cortar a cabeça de um auxiliar que usou um avião da FAB de forma inadequada — embora não ilegal e, muito certamente, repetindo o comportamento de dezenas de outros. Mas o cidadão que comparar esse caso ao do ministro da Secom, por exemplo, não verá ali dois pesos e duas medidas? Mais: demitir o viajante vai resolver problemas de setores não atendidos da população, cada vez mais expressivos?
A questão política que se impõe agora é saber por quanto tempo mais o discurso ideológico-demagógico de Bolsonaro vai sustentá-lo. Porque a vida dos governantes é assim: chega um momento em que jogar para a platéia não adianta mais, e nem toda a espuma espalhada em performances diárias esconde as barbeiragens e a incompetência do governo para (ora, vejam só) governar!
O presidente da República parece a cada dia mais imbuído do propósito de turbinar sua candidatura à reeleição em 2022. Só pensa nisso. Mas alguém precisa avisar a ele que, sem governo, fica difícil ter reeleição.
Helena é jornalista