Oração pela pátria (por Gaudêncio Torquato)
Rogamos, Senhor, que injete na cabeça dos homens públicos o dever sagrado de cumprir sua missão sem manchas
Pai nosso que estás no Céu, santificado seja o vosso nome!
Pedimos as suas bênçãos, Senhor, nesse tormentoso ciclo em que nosso país registra mais de 150 mil mortos de uma pandemia que contaminou até agora 5,1 milhões de pessoas.
Ouça nossa prece, Senhor, antes que seja maior a mortandade.
Senhor, habitamos um belo território com a maior reserva de água doce do mundo, mas nossos biomas terrestres – Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Caatinga e Campos do Sul – padecem de secas e queimadas provocadas por espíritos maldosos. Nunca se viu tanta destruição.
Pero Vaz de Caminha tinha razão, Senhor, na carta ao rei Dom Manuel sobre a terra descoberta por Pedro Álvares Cabral: “em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”. Na verdade, Senhor, mãos sorrateiras também surrupiam parcelas das nossas riquezas.
Agradecemos, Senhor, pela extrema generosidade dessa terra tão rica, de gente assentada em “processo de equilíbrio de antagonismos”, como ensina Gilberto Freyre: as culturas europeia, indígena e africana; o católico e o herege; o jesuíta e o fazendeiro; o bandeirante e o senhor de engenho; o paulista e o emboaba; o pernambucano e o mascate; o bacharel e o analfabeto; o senhor e o escravo”.
Essa convivência formou um caráter cordial, embora também carregue traços negativos, como falta de iniciativa, de decisão e de firmeza.
Que venha a nós o vosso Reino!
Que venha logo, Senhor. Antes que o nosso Pantanal seja tragado pelo fogo e que a boiada passe com a ilicitude de gente sem escrúpulo. Antes que a extrema pobreza massacre a base da pirâmide social. Que se derrube para sempre esse muro que separa “nós e eles”.
A velha luta de classes, Senhor, foi aposentada após a queda do muro de Berlim, em 1989, mas figuras populistas ainda defendem a litigiosidade social, a “revolução”, o fim das elites e do ideário progressista.
Dai-nos, Senhor, bom-senso para evitar a intolerância, condenação e até morte de quem discorda de métodos como invasão de propriedades, depredação de patrimônios, incitação à violência. Queremos paz, nem devastação de patrimônio nem morte.
Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu.
Que a vossa vontade, Senhor, chegue para elevar os menos favorecidos e dar aos ricos nobreza de espírito para minorar desigualdades.
Perto de 15 milhões de brasileiros estão desempregados, Senhor, e outros milhões não têm comida nos lamacentos espaços das periferias das grandes cidades onde se desenha a estética da miséria.
O pão nosso de cada dia nos daí hoje. Pão que é farto para uns e escasso para outros.
Rogamos, Senhor, que injete na cabeça dos homens públicos o dever sagrado de cumprir sua missão sem manchas. Na eleição de novembro, Senhor, ilumine a consciência dos candidatos.
Perdoai as nossas ofensas. Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
Perdão, Senhor, para as ofensas do nosso cotidiano, na deselegância da interlocução, nas palavras e gestos mal-educados. Mas assaltantes do Estado, das milícias do poder invisível, precisam prestar contas à Justiça.
E não nos deixei em tentação, mas livrai-nos do mal.
Amém!
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político