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O crime compensa! (por Denis Lerrer Rosenfield)

Se o prestígio do Supremo Tribunal já não era grande, sai agora diminuto

Por Denis Lerrer Rosenfield
Atualizado em 16 mar 2021, 09h30 - Publicado em 15 mar 2021, 12h34

Perplexidade talvez seja o melhor termo para caracterizar a decisão do ministro do STF Edson Fachin de cancelar, por questões processuais, a condenação do ex-presidente Lula. Perplexidade ainda mais acentuada pelo segundo momento desse teatro do absurdo, quando a segunda turma põe em votação a imparcialidade ou não do ex-juiz Sergio Moro. Os papéis abruptamente se invertem, o decido torna-se inválido, o mocinho torna-se bandido. A continuar nessa toada, o ex-juiz será considerado ficha-suja, enquanto o responsável pela corrupção posará de vítima. Onde estão agora o “sujo”, o “lixo”, a “corrupção”, o desvio de recursos públicos, a compra de parlamentares? Vai tudo para debaixo do tapete?

Qual é a percepção do brasileiro, aquele que não compreende as firulas jurídicas? A resposta mais imediata, sem dúvida, é a de que o Judiciário condenou injustamente o ex-presidente da República. Pobre coitado, foi preso arbitrariamente, numa tramoia urdida por juízes e promotores. Evidentemente, não sabe a diferença entre anulação do “juiz natural” e anulação de “provas”. Politicamente é a mesma coisa!

Aliás, mesmo se compreendesse, ficaria confuso, porque é incompreensível que um ministro do Supremo, sete anos depois do começo da Lava Jato, decida de súbito considerar que a vara correspondente de Curitiba não era o lugar adequado de julgamento. E isso depois de ter ele mesmo, várias vezes, considerado que era tal. De repente, a “jurisprudência” começa a valer. Talvez um estagiário de Direito precisasse de 15 dias para chegar a essa conclusão.

Mais uma vez, conforme a já longa história jurídica e política brasileira, a impunidade é consagrada! Não se fala mais dos bilhões desviados da Petrobrás, da corrupção, dos recursos recuperados, mas do réu “inocentado”. A conclusão parece evidente: o crime compensa! E o “inocentado” pode ainda levar como recompensa a Presidência da República!

A elite brasileira, cansa-se de repetir, sempre escapa da condenação. O PT sempre lutou, ou aparentava lutar, contra essa forma social de impunidade. Ora, seu líder máximo, assim como seus dirigentes deveriam estar nela enquadrados. Para se livrar de condenações e da cadeia basta ter dinheiro, bons advogados e perseverança. O crime? Ora, o crime… Isso não importa! O que, sim, conta é apagá-lo, de preferência por questões processuais, que invalidem provas abundantes. A aposta dos advogados é simples – e historicamente bem-sucedida: um dia encontrarão um ministro que lhes dará razão, e o fará, de preferência, com uma linguagem jurídica pomposa e gótica para disfarçar o feito.

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Um pobre, uma pessoa de poucas posses, jamais poderá arcar com esses custos e será abandonado à própria sorte. Pessoas assim serão condenadas e provavelmente presas. Os ricos e as elites políticas e partidárias sairão sorrindo, assobiando e declarando que foram injustiçados durante todos estes anos. Os advogados de Lula, entre ações, sentenças e recursos, devem ter tomado uma centena de iniciativas, se não mais, entupindo o Judiciário com suas medidas. É como se a instituição cuja função consiste na garantia e aplicação da lei devesse submeter-se a seus interesses e desígnios. Curioso um líder e um partido dito dos “trabalhadores” se terem colocado nessa posição.

O Supremo mostrou-se pequeno! Se seu prestígio já não era grande, sai agora diminuto. Expõe suas fraturas, suas contradições e sua lerdeza, apresentando-se como impróprio para cumprir sua função constitucional. O Poder que deveria ser o do equilíbrio, da moderação e da ponderação torna-se fonte de insegurança jurídica. Nem o passado lhe resiste. Sua hermenêutica é a da arbitrariedade.

A decisão do ministro Fachin desautoriza não apenas a si mesmo, o que já seria bastante grave do ponto de vista lógico e político, mas todas as instâncias do Judiciário que já haviam julgado o ex-presidente. Sete anos de trabalho foram simplesmente relegados por uma mera decisão monocrática, como se juízes e desembargadores nada valessem. Tribunais como o TRF-4 foram sumariamente desprestigiados. Ora, o trabalho desse tribunal foi primoroso, imparcial e independente, tendo várias vezes julgado improcedente a questão colocada pelos advogados de Lula a respeito do “juiz natural”. Subitamente, tudo é explodido! Será que são tidos por pessoas despreparadas? Assim o dá a entender a posição do Supremo, que se volta contra a sua própria instituição.

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E o pior de tudo é que não pararemos por aí. A decisão relativa a Lula terá certamente efeito cascata, podendo alcançar outras pessoas condenadas na Lava Jato que se encontrem na mesma situação “natural. Os diferentes advogados já estão afiando suas facas, procurando incluir-se no caso em questão. Aproveitarão da nova “jurisprudência”, que seria uma “reafirmação” da anterior. Imaginem uma situação esdrúxula, porém possível neste cenário de valores invertidos: um delator, tendo sua delação anulada por um vício processual ou pela suspeição do juiz, poderá pedir o ressarcimento dos valores pagos! É isso a Justiça?

 

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Artigo transcrito do jornal O Estado de S. Paulo

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