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Por Coluna
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Novos quilombos

O povo dos quilombos está onde esteve sempre. Até o fim do século 19 eram humanos desumanizados pela cor da pele.

Por Tânia Fusco
Atualizado em 8 Maio 2018, 15h00 - Publicado em 8 Maio 2018, 15h00

O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, 28º do mundo. Quando a princesa Isabel assinou a Lei Aurea, em 1888, o país tinha 10 milhões de habitantes e mais de 138 mil escravos que, sem dono e sem teto, foram favelar-se nos morros e nas periferias das grandes cidades.

Por lá ficaram em luta, parece, eterna para sobreviver à margem. Viver é coisa muito perigosa para os menos iguais. Eles que o digam.

Cresceu o Brasil, cresceram as favelas – guetos dos que, no Império, eram nominados como elemento servil, hoje como excluídos.

Também cresceu a distância entre riqueza e pobreza. (Quando ela encurta um bocadinho, o bicho pega, né não?).

Dos nossos 207,7 milhões de habitantes, 60 milhões vivem nas periferias urbanas, 11 milhões em favelas.

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Seis milhões são sem teto, os mais dos mais excluídos sociais, os que sequer têm precários barracos para chamar de seu, como as 146 famílias vítimas do incêndio no Edifício Wilton Paes de Almeida, do Largo Paissandu, em São Paulo.

São eles os invisíveis habitantes dos novos quilombos urbanos. Vulneráveis na estatística e na vida.

No dicionário quilombo é definido como povoação fortificada de negros fugidos do cativeiro, dotada de divisões e organização interna, onde também se acoitavam índios e eventualmente brancos socialmente desprivilegiados.

Foram espaços de resistência ao status quo. Como são agora as invasões dos Sem Teto, dos Sem Terra. Onde “se acoitam” e se organizam os socialmente desprivilegiados – de todos os tons de pele, com maioria negra. Herança de lá de trás, da escravidão.

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Na desgraça, os invisíveis ganham visibilidade. Provocam a compaixão de uns e metem medo nos mais confortáveis com o status quo vigente.

Ao enxerga-los assim reais, de carne e osso, ignoram que são o tal próximo, que devem amar como a si mesmo, e veem apenas malditos invasores de propriedades privadas – ainda que abandonadas por pessoas físicas ou jurídicas. No Brasil, há sete milhões desses espaços – imóveis, construções, terrenos em áreas urbanas e rurais.

Ainda assim demonizamos os excluídos invasores. Como fizemos antes com os quilombos, combatidos à bala. Como fazemos sempre com os que sobram na organização social.

Seis caberiam com folga em sete, não? Por que não cabem?

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Porque pobres e miseráveis sobram na nossa História, que não é muito diferente de outros vizinhos das Américas – aí incluídos os Estados Unidos -, da África, das arábias…

Pobres e miseráveis não se encaixam como cidadãos, mas como sujeitos disponíveis para todo tipo de exploração, de indignidades. Vez por outra também para prática de compaixão e de caridade, que, ainda por cima, aliviam culpas pelo nosso over consumismo, individualismo e/ou o culto ao dinheiro pelo dinheiro, muito além de necessidades físicas, emocionais, espirituais ou de qualidade de vida.

O capitalismo não é bonzinho. Nunca foi. Sobrou? Sobrou. Recebe sobras.

O povo dos quilombos está onde esteve sempre. Até o fim do século 19 eram humanos desumanizados pela cor da pele. Coisa comprada a ser usada como bem se entendesse.

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Tivemos 300 anos de escravidão legal, formal, consentida e aprovada. Três séculos. E, no modelão “jeitinho”, fizemos uma abolição meia bomba. Demos liberdade e soltamos à própria sorte. (Não foi muito diferente por aí afora – de novo incluindo os USA). Não iam querer também que os donos de escravos tivessem alguma responsabilidade sobre os libertos? Ah vá!

Não vão querer que, agora, tenham alguma obrigação com o que resultou daquele arranjo mal feito, que atendeu às pressões econômicas estrangeiras (humanitárias?) e desatendeu senhores da terra locais. Também os que recolhiam, guardavam e emprestavam dinheiro. Os de sempre.

Os donos que, descontentes, apearam rapidinho Pedro II do poder. A causa de então era a República*. Eles são safos.

O Brasil (deles) não é bonzinho. Nunca foi. Que o digam os que sobram sempre – o povo dos quilombos. De ontem e de hoje.

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* República – substantivo feminino – 1.Forma de governo em que o Estado se constitui de modo a atender o interesse geral dos cidadãos. 2. Forma de governo na qual o povo é soberano, governando o Estado por meio de representantes investidos nas suas funções em poderes distintos.

PS.: Sobre direitos – na Constituição Federal

Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

IX – Promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X – Combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.

A Carta tem 30 anos. Os quilombos uns 400. 

 

Tânia Fusco é jornalista, mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de dois netos. Vive em Brasília. Às terças escreve sobre comportamentos e coisinhas do cotidiano – relevantes ou nem tanto 

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