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Não se peça a Bolsonaro o que ele não tem para dar

E assim será até o fim

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 25 ago 2020, 08h15 - Publicado em 25 ago 2020, 08h00

E se tivesse sido o contrário? Se um jornalista, cansado de ouvir o presidente Jair Bolsonaro mandar calar a boca, tivesse respondido: “Minha vontade é encher tua boca na porrada”?

Certamente teria sido preso e acusado pelo crime de desacato à autoridade. E Bolsonaro, 48 horas depois, estaria soterrado por mensagens de solidariedade de meio mundo ou do mundo todo.

Mas foi o contrário. E como reagiram as instituições, as cabeças coroadas da República e as personalidades da área dos negócios sempre tão aflitas com os arroubos presidenciais? Brandamente.

O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, disse: “Coisas pessoais do presidente, não me compete tecer comentários. Eu não estava junto, não sei… Deixa para lá isso aí”.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, encontrou a quem culpar: os agentes de segurança de Bolsonaro que não o afastaram a tempo dos jornalistas.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, lamentou o episódio, defendeu a liberdade de imprensa, mas foi logo dizendo que não era motivo para abertura de um processo de impeachment.

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Se não é quebra de decoro um presidente da República ameaçar encher de porrada a boca de uma pessoa, não importa quem seja, o que é quebra de decoro exigido pelo cargo?

Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo é crime de responsabilidade, segundo a lei do impeachment invocada para derrubar Collor e Dilma.

“Minha vontade é encher tua boca na porrada”, disse Bolsonaro no último domingo em resposta à pergunta por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta da primeira-dama Michelle.

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Imagine a mesma coisa dita pelo presidente dos Estados Unidos (‘My will is to fill your mouth with fights’). Ou pelo presidente da França (‘Ma volonté est de vous remplir la bouche de combats’).

Ou pela 1ª ministro da Espanha (‘Mi voluntad es llenarte la boca de peleas’). Ou pela 1ª ministra da Alemanha (‘Mein Wille ist es, deinen Mund mit Kämpfen zu füllen’).

Em tais países, seria algo impensável. Na Rússia de Putin (‘Moya volya – napolnit’ vash rot drakami’) daria em nada. Na Turquia de Erdogan (‘İsteğim ağzını kavgalarla doldurmak’), também.

Teria saído mais barato para Bolsonaro responder por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle. Mas o ex-paraquedista não está e jamais estará à altura do cargo que exerce.

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Candidatou-se a presidente para ajudar a carreira dos filhos. Não pensou que se elegeria. Desatou no choro ao saber que fora eleito. Tomou posse sem projeto de governo. Improvisa desde então.

O ministro Fabio Faria, das Comunicações, saiu, ontem, de uma conversa com Bolsonaro comemorando: “Aviso aos torcedores do caos e do conflito diário: perderam. A paz continua”.

Qual o quê! Em mais uma cerimônia de exaltação à cloroquina no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que jornalista, se infectado pelo coronavírus, tem mais chance de morrer por ser “bundão”.

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“[Jornalista] só sabe fazer maldade, usar caneta com maldade em grande parte. Tem exceções, como aqui o Alexandre Garcia. A chance de sobreviver é bem menor do que a minha”, debochou.

A ninguém deve se pedir o que não tem para dar. Afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética, Bolsonaro só tem a oferecer o comportamento bárbaro do qual dá exemplos diários.

E assim será até o fim.

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