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Governo não há, mas o que virá?

Bolsonaro radicaliza

Por Helena Chagas
Atualizado em 30 jul 2020, 19h21 - Publicado em 31 out 2019, 12h00

Por mais que o establishment econômico esteja fechado com a agenda liberal de Paulo Guedes, que o risco Brasil tenha caído e que o mercado venha melhorando suas previsões para o PIB, não há como tapar o sol com a peneira. O ritmo cada vez mais acelerado das crises políticas envolvendo o presidente da República — agora à razão de uma por dia, ou até mais de uma no mesmo dia — não permite ilusões. A tática de avestruz das elites, que enterram a cabeça no chão para não ver a realidade na esperança de que essa parte do governo fique invisível — enquanto a de Guedes trabalha e recupera a economia do país — parece fadada ao fracasso. Na verdade, não há governo.

Fica muito difícil levar o Congresso a prosseguir numa pauta de emendas constitucionais, com mudanças profundas no Orçamento, reforma administrativa, e as privalizações prometidas num ambiente de tal instabilidade, com o primeiro mandatário do país se mete em tantas confusões.

O episódio mais recente junta o inquérito que apura o assassinato da vereadora Marielle Franco pelas milícias à figura do presidente da República.  Vem se somar a um conjunto da obra que, em menos de uma semana, expôs ao público as entranhas do PSL, as conversas de bastidor em que Queiroz faz pose de articulador governista e o vídeo do leão Bolsonaro cercado pelas hienas institucionais do país, incluídos aí o STF e a CNBB.

A “live” em que Jair Bolsonaro se defendeu diante da informação de que um dos acusados da execução da vereadora esteve em seu condomínio no dia do assassinato, citando sua casa como local de destino, provavelmente será um dia objeto de estudos da história. Não apenas pela declaração de guerra à Rede Globo e ao governador do Rio, mas pelo tom geral belicoso, duro, ameaçador, no estilo “matar ou morrer” — e que não prenuncia boa coisa.

Sem entrar no mérito de suas razões, e dando crédito às provas de que ele estava em Brasília na data citada e não se encontrou com o suposto executor da vereadora Marielle — o que parece claro — Bolsonaro mostrou que vai levar ao limite a tática da radicalização do discurso com o objetivo de levantar sua base social. Ainda que venha perdendo popularidade, num desgaste constante desde que assumiu, o presidente conta um um grupo minoritário, mas aguerrido e barulhento, que pode defendê-lo. Quer botar essa turma em campo, nas redes e fora delas.

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É cedo para dizer no que isso dará. Haverá consequências para além dos salões da política. Mas uma constatação óbvia é que Bolsonaro não é um sujeito que sairá fácil. É do tipo que não renuncia e cai atirando. Do outro lado,  seus adversários, antigos e novos, não parecem ter hoje vontade ou organização suficientes para mergulhar num sempre traumático processo de impeachment. Pelo menos ainda não.

Estamos hoje diante de uma equação de difícil solução, que junta um governo que não governa mas não cai, uma elite política e econômica que acredita ilusoriamente poder erguer um muro em torno de Bolsonaro e fazer reformas à revelia dele, e uma sociedade cada vez mais desigual e cheia de demandas, crescentemente perplexa com o que está assistindo.

 

 Helena Chagas é jornalista     

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