(Texto publicado em 03.02.2012)
A gente se acostuma com tudo. Até com as coisas mais absurdas, a ponto de esquecer de indagar por que elas são assim e não de outro jeito.
Alguém por aqui conhece a razão oficial para que a saída e o retorno de um cubano ao seu país dependa de autorização do governo?
(O governo negou autorização para que a blogueira Yoani Sánchez visite o Brasil a convite. É a 19a. vez que Yoani é proibida de sair de Cuba.)
Não, não vale alegar que Cuba é uma ditadura. E que, portanto…
Quando me refiro à “razão oficial” quero dizer: a razão invocada pelo governo cubano.
Certamente não será: “porque somos uma ditadura”.
Jamais uma ditadura se reconhece como tal.
Falei há pouco por telefone com o ex-ministro José Dirceu de Oliveira, amigo do governo cubano e hóspede dele quando foi obrigado a se exilar durante a ditadura militar de 64.
José Dirceu desconhece a “razão oficial”.
Falei há pouco por telefone também com o escritor Fernando Moraes, autor do célebre “A Ilha”, livro lançado em 1976 e que fez um estrondoso sucesso.
Fernando desconhece a “razão oficial”.
Vai ver que não existe “razão oficial”.
Não faz sentido imaginar que exista o temor de que um cubano aproveite viagem a outro país para transferir dinheiro guardado em segredo.
Ninguém ganha em Cuba o que mereça ser expatriado.
Não faz sentido imaginar que o governo tema ser alvo de críticas de um cubano que só viajou porque ele permitiu. Depois de 53 anos da revolução, uma crítica a mais não abalará o regime.
De resto, se um cubano viajar e falar mal do governo lá fora, naturalmente não desejará voltar. E não lhe deixarão voltar.
Razão econômica não existe. Nada custa ao governo conceder visto de saída. Pelo contrário. Ele até ganha uns trocados com isso.
Sobra um motivo: o exercício do arbítrio em estado puro.
O governo reafirma o poder que detém sobre a vida dos seus governados, premiando com autorização para que viajem os bem comportados e incapazes de lhe criar problemas.
Não é o caso de Yoani, reconhecida crítica do regime.
Porta-vozes do regime cubano garantem que ela frequenta com assiduidade o escritório do governo dos Estados Unidos instalado em um prédio de 12 andares cravejado de potentes antenas, no centro de Havana. O escritório não passaria de uma base de espionagem da CIA.
A ser verdade, por que o governo não divulga imagens de Yoani entrando e saindo do prédio? Não haveria maior dano à imagem dela.