Ao sair do Centrão, bloco até então com 221 deputados, MDB e DEM se tornam os pesos da balança a pender para situação ou oposição ao governo. Permanecer no meio, brandindo independência, é conversa fiada. Uma eventual base governista continuará sendo uma incerteza, pois o que vale é o pragmatismo. O governo conseguirá uma sólida e duradoura articulação com o Congresso?
Os dois partidos avaliarão o governo pelo crivo da sociedade e seus resultados dependem da economia. Recuperação restrita e lenta servirão à base oposicionista; a recíproca é verdadeira. Se o Brasil voltar a impulsionar a confiança de investidores, a taxa do PIB, o produto nacional da felicidade bruta, poderá voltar a enxergar Bolsonaro como principal protagonista para 2022.
Mas o caminho é longo e só permite projeções gerais, pois nem sabemos quem entrará no jogo. Comecemos com o Covid-19, cujos seus efeitos devem ser sentidos até o próximo ano.
Na sombra do medo, a política tende a receber um voto mais crítico nas eleições deste ano e na de 2022. Os partidos olham com lupa o estado d’alma da sociedade. Mais pistas: o governo deve ampliar e reforçar o cobertor social com o programa Renda Brasil para as margens, a partir do Nordeste.
Digamos que se repartam os recursos do Programa entre as classes sociais. Como agirão as periferias das grandes cidades? Só o Estado de São Paulo tem 46 milhões de eleitores. Como atenderá a essas massas? Outro elemento decisivo, as classes médias. Lembremos a imagem da pedra jogada no meio do lago: as marolas correm até a beira. As classes C, D e E poderão ser influenciadas.
Nesse meio da pirâmide emerge a forte expressão dos profissionais liberais, cujo discurso flui para toda a sociedade. São fontes qualificadas, porta-vozes, difusores de mídias sociais, que vocalizam o pensamento social. As classes médias, por volta de 50% da população, tendem a ser mais críticas e de oposição.
Portanto, os centristas terão importância fundamental no processo político em transição. Reforço esse termo – transição. Não há condições sociais e políticas de duas alas segurarem o cabo de guerra – esquerda e direita. Assim, a polarização caminha para o arrefecimento. O eleitorado está saturado de abordagens de baixo nível e querelas tomadas pelo ódio. O Brasil carece de esforço suprapartidário para vencer as batalhas sanitária, econômica e política.
Além disso, por descrédito na política, uma intensa organicidade se desenvolve. As pessoas procuram centros de referência – associações, sindicatos, movimentos, grupos de ação. Milhares de centrinhos sociais se formam em novos polos de poder.
Infere-se então que o fisiológico Centrão, agora com 160 deputados, não terá tanta força de voto no centro da pirâmide e nos centrinhos pelo país. A nova ordem tira a força de negociatas que tratam de quarentenas para juízes. No caso, enxerga-se uma quarentena de 8 anos para uma eventual candidatura do juiz Sérgio Moro à Presidência da República. Ora, o eleitor que decida.
Se o Centrão formar ao lado do presidente, o governo ganhará desenvoltura no Congresso para evitar fantasmas que o assombram? A certeza é: precisará redobrar esforços para afastar horizontes sombrios que ameaçam a elevação do Brasil no concerto das Nações.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político