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Do terror ao ridículo

De Cristina Kirchner a Bukele, populismo de dar vergonha alheia

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 27 set 2021, 14h56 - Publicado em 26 set 2021, 08h00

A América Latina já teve caudilhos grandiosos até no ridículo, como Antonio López de Santa Anna, onze vezes presidente do México no século XIX, que promoveu o enterro oficial da perna perdida numa batalha com os franceses e depois mandou exumar o membro pelo qual se tornou obcecado, arrastando seu entorno em elaboradas e bizarras cerimônias fúnebres. Os populistas atuais ficam só com a parte do ridículo, sem a grandiosidade. De esquerda ou direita, unem-nos o pendor para operetas orquestradas via Twitter e a propensão para distribuir recursos que não são seus, mesmo quando os recursos acabam — restando sempre a alternativa de rodar a maquininha. “Um populismo que fica sem dinheiro, logo fica sem votos e no final fica sem povo”, escreveu no La Nación o colunista Jorge Fernández Díaz, sintetizando o pavor que baixou nas diversas alas peronistas depois de um fiasco bravo nas eleições primárias para o Congresso. Por causa da bofetada das urnas, Cristina Kirchner rodou o poncho e protagonizou um dos episódios mais patéticos da política argentina: a humilhação pública e acachapante do presidente Alberto Fernández. Tratado como um aluno malcomportado que precisava ser colocado em seu devido lugar, o presidente, que deve o cargo a Cristina, desistiu de encenar qualquer tipo de resistência, aceitou todas as ordens da chefe e mudou os ministros exatamente da maneira como ela havia tuitado numa carta aberta, para aumentar o fator humilhação. Se Cristina mandasse, talvez faria o enterro da perna — metaforicamente, claro. Tudo o que Fernández plantou na imprensa foi desmentido em questão de horas pela realidade. Poderia ser enquadrado na definição que, em contexto diferente, o eterno líder sindical Hugo Moyano deu certa vez sobre sua grei: “Nós, peronistas, somos assim, um dia dizemos uma coisa e no outro, outra”.

“Os eleitos latino-americanos parecem personagens de novelas tão ruins que parecem boas”

Em El Salvador, o presidente millennial, Nayib Bukele, está ficando notavelmente parecido com oligarcas encarquilhados do século passado. Num capricho caudilhesco, ele decretou que o bitcoin seja adotado como moeda nacional num país já dolarizado. Como 70% da população salvadorenha não tem acesso a serviços bancários, é possível que a adoção da criptomoeda se torne um “enterro da perna”, uma dessas bizarrices que só acontecem em países latino-americanos e nos enchem de vergonha alheia — ou vergonha própria. Nem o depósito equivalente a 30 dólares feito em nome de cada cidadão salvadorenho para promover as transações em bitcoin está conseguindo vencer as resistências da população, embora Bukele continue formidavelmente popular — 85% de aprovação — e se dê ao luxo de ironizar as críticas: colocou no perfil do Twitter como descrição biográfica “ditador de El Salvador”.

Em comparação com as atrocidades cometidas no passado por tiranos latino-­americanos da estirpe de um Rafael Trujillo (mais 50 000 mortes) na República Dominicana ou da dinastia Somoza na Nicarágua, os populistas atuais, eleitos legitimamente, parecem personagens de novelas tão ruins que parecem boas. Mas às vezes fica difícil decidir se gestos obscenos feitos numa comitiva diplomática — repita-se, diplomática — em Nova York são para rir, chorar ou ter saudade do general Santa Anna e sua perna insepulta.

Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757

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