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O repetitivo inusitado de Alice Munro

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Por Simone Costa
Atualizado em 13 ago 2018, 16h31 - Publicado em 28 dez 2013, 08h02

“A ideia estava ali e balançava na minha cabeça. A ideia de que eu podia estrangular a minha irmã mais nova, que dormia na cama embaixo da minha e que eu amava mais do que qualquer pessoa no mundo. Eu podia fazer isso não por ciúme, por maldade, ou por raiva, mas por loucura, que podia estar deitada ali bem do meu lado durante a noite”, pensava a personagem do conto Noite, de Alice Munro, a canadense laureada com o Nobel de Literatura neste ano. E, para fugir do medo que sentia daquela loucura tomar conta dela, a garota saía andando pelos arredores da casa, instalada em uma comunidade semirrural da província de Ontário, Canadá. Este é o enredo de uma das narrativas de Vida Querida (tradução de Caetano W. Galindo, 320 páginas, 37 reais na versão impressa e 26 reais na versão e-book), o mais recente livro da escritora, que acaba de sair no país pela Companhia das Letras.

Noite e outros três textos do livro, embora classificados assim, não são necessariamente contos. De acordo com a canadense, “eles formam uma unidade à parte, que é autobiográfica em espírito, apesar de não o ser inteiramente, às vezes, de fato”. Se Alice Munro não tivesse inserido essa explicação separando os quatro textos – as únicas narrativas autobiográficas já publicadas pela autora – dos outros, quase no final do livro, o leitor poderia pensar que eles são ficções como os dez primeiros porque todos tratam do cotidiano dos personagens, a grande matéria-prima da canadense. Mas, como se vê no trecho acima, o olhar de Alice sobre o cotidiano não é nada banal. As histórias são situadas a partir de um ponto de vista que busca o inusitado, aquilo que leva o enredo – e uma vida – a algum sobressalto ou a uma mudança completa de rumo.

alice_vida_querida_capa]O mesmo tom é encontrado em outro livro da escritora, Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento (tradução de Cássio de Arantes Leite, Biblioteca Azul, 360 páginas, 44,90 reais na versão impressa e 34,30 reais na versão e-book), lançado por ela em 2001 (2003 no Brasil) e reeditado agora no país. Nos nove contos reunidos no volume, mais do que acontece em Vida Querida, a autora se detém em algum momento específico da vida de seus personagens para narrar o acontecimento e a forma como ele interfere em suas rotinas. Nos dois livros, esteja o conto na primeira ou na terceira pessoa, seja narrado por uma voz feminina ou masculina, não há diferença: há sempre mulheres envolvidas em algo não convencional – vale lembrar que a maioria dos textos de Vida Querida são ambientados entre os anos 1940 e 1960. Pipocam encontros inesperados, mal-entendidos ou enfermidades que vão paulatinamente tomando conta dos personagens.

Alice Munro já lançou catorze coletâneas de contos e afirma que Vida Querida será a última. Aos 82 anos, ela se tornou a 13ª mulher a ganhar o Nobel de Literatura e o primeiro contista a receber o prêmio na história. Quando Alice começou a publicar, no final dos anos 1960, uma manchete tacanha, que pouco deixava entrever do seu futuro, assinalou: “A dona de casa encontra tempo para escrever contos”. Duas décadas depois, porém, ela já era comparada ao russo Anton Chekhov. Foi a ficcionista e ensaísta americana Cynthia Ozick quem primeiro disse: “Ela é a nossa Chekhov e vai durar mais do que a maioria de seus contemporâneos”.

Rótulos à parte, é mesmo interessante ver como a autora consegue descrever seus personagens de maneira a permitir ao leitor vislumbrar perfeitamente suas personalidades. “Seus olhos não eram grandes e, se lhe pedissem para descrever a cor, ela teria dito: ‘Acho que eles são meio castanhos’. Mas agora pareciam ser de um castanho bastante profundo, suaves e brilhantes. Não que de repente começasse a pensar que era bonita ou algo assim. Apenas que seus olhos dariam uma bela cor para uma peça de roupa.” Este trecho faz parte do conto que dá título a Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento. Nele, o leitor se depara com a doméstica Johanna e acompanha o improvável rumo que sua vida vai tomar.

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Muitos críticos já disseram que Alice Munro é capaz de elaborar uma vida inteira em uma página. A explicação para isso, segundo explicou a própria autora em uma entrevista, é que ela sempre pensa seus personagens em todas as suas profundidades, como a roupa que escolheriam em determinada situação ou a escola em que estudariam. “Eu sei o que aconteceu antes e o que vai acontecer depois daquela parte da vida deles com a qual estou lidando”, disse. Alice Munro tem a habilidade de construir enredos que fogem de uma linearidade, mas são conduzidos sem arrancos para os momentos mais tensos.

alice_odio_amizade_namoro_capaO estilo rende narrativas que conseguem surpreender o leitor, principalmente em Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento, o melhor desses dois livros da autora. Há alguns belos textos, como O Urso Atravessou a Montanha, em que a personagem Fiona começa a perder a memória e, levada a uma casa de repouso pelo marido Grant, vive uma experiência que parece fugir de um roteiro sequencial e lógico. Em Vida Querida, os destaques ficam por conta de Amundsen, texto em primeira pessoa que narra a história de uma moça pedida em casamento pelo médico do hospital para tuberculosos onde ela daria aulas para crianças internadas, e Dolly, também em primeira pessoa, um pouco adocicado demais ao retratar o amor ainda existente entre um casal de idosos, mas interessante na maneira como narra o episódio que vem para perturbar seu plano de pôr fim às próprias vidas ao mesmo tempo.

Depois de três ou quatro textos, no entanto, o leitor pode se perguntar se a autora não abusa dos acontecimentos ou dos encontros casuais. Eles estão sempre presentes e a certa altura começam a soar improváveis demais para acontecer em todas as histórias – um recurso fácil empregado em novelas ou produções rasas de Hollywood, mas não algo que se espere de uma autora tão altamente laureada. Além disso, ela se utiliza de temas recorrentes então o leitor vai sempre se deparar com uma mulher que trai o marido em um encontro fortuito ou alguém enfermo que vê sua condição física ou mental se degradando. Apesar da capacidade de envolver o leitor, a repetição da fórmula como motor da ação faz pensar se não haveria um contista contemporâneo mais inventivo para receber o Nobel de Literatura.

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O maior problema, no entanto, está na maneira como Alice Munro observa os acontecimentos que ficaram no passado. É como se de seu lugar atual ela pudesse ver que aquelas repressões, principalmente as femininas, não existissem mais e que conseguimos evoluir de maneira apropriada. Em seus contos, as mulheres são resignadas, como é o caso de tia Dawn, de Recanto (Vida Querida). “Aquela era a risada nervosa, semelhante, mas mais preocupada, por exemplo, à risada com que ela perguntava ao tio Jasper o que ele estava achando do jantar. Ele quase sempre dava sua aprovação, mas com alguma restrição. Está bom, mas meio picante ou meio insosso. Talvez um pouco bem passado demais ou quem sabe meio cru. Uma vez, ele disse: ‘Não gostei’, e se recusou a elaborar, e a risada sumiu nos lábios cerrados da tia e no seu heroico autocontrole.” Mesmo aquelas que conseguem algum alento em adultérios fortuitos causam um sentimento de pena por serem descritas como mulheres presas às suas rotinas de mãe e de esposa. E, quando traem os maridos, tudo é feito de maneira comportada, sem que a narrativa se aproveite disso para expor as contradições típicas de épocas de grandes mudanças. Alice Munro se casou aos 20 anos e teve três filhas. Durante anos, foi apenas mãe e dona de casa. Talvez a complacência presente em sua obra se deva a ela mesma.

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