O que ACM Neto tem a ganhar indo tão à direita na Bahia
Dois dos mais importantes cientistas políticos analisam o movimento do presidente do DEM na eleição da Câmara. Tiro no pé ou sobrevivência regional?
No mundo da política, os inimigos de ontem podem caminhar de mãos dadas amanhã. Basta que os interesses se justifiquem para a formação de novas alianças. Olhando mais de perto para a disputa da presidência da Câmara e o apoio do presidente nacional do DEM, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, a Arthur Lira (PP-PR), candidato de Jair Bolsonaro, uma dúvida fica no ar. O que Neto tem a ganhar apoiando a extrema-direita, tendo em vista que seu reduto eleitoral é a Bahia, onde os movimentos de centro-direita e de esquerda fizeram uma boa gestão na pandemia, ao contrário de Bolsonaro? Por que fortalecer o Palácio do Planalto, provocando um racha no DEM?
Aproximação de ACM Neto
O cientista político Jairo Nicolau acredita que ele jogou fora o capital político que havia conseguido com a eleição municipal. A cientista política Daniela Campello acha que ele fez uma jogada calculada. Terá recursos governamentais no presente, e depois, conforme for a conjuntura política de 2022, ele dirá que o governo não mudou e persistiu no erro. Seja como for, esse movimento de implosão do próprio partido está intrigando especialistas.
A garantia de recursos pode ser mesmo uma forte razão, como avalia Daniela Campello, que é doutora em Ciência Política pela Universidade da Califórnia e professora da Fundação Getúlio Vargas. Segundo ela, seu apoio a Bolsonaro não passa pela questão político-ideológica, mas sim pelo interesse nos recursos prometidos por Bolsonaro para cooptar votos e se fortalecer na Câmara. Aliás, na visão de Daniele Campello, justamente por ter uma mobilidade ideológica maior é que ACM Neto teria conseguido se articular desta forma, ao contrário de Rodrigo Maia, o grande derrotado desta eleição no legislativo.
“Ele [ACM Neto] maximizou a quantidade de recursos à mão, hoje, para distribuir e se fortalecer em relação a outras lideranças. Esses recursos vão deixá-lo em uma posição muito mais forte em 2022 para fazer o que quiser. Ele está, de certa forma, livre para apoiar Bolsonaro se ele estiver forte, ou, o que acho mais provável, apoiar quem ele quiser, tipo [Luciano] Huck”.
Portanto, apesar do apoio de ACM Neto neste momento, o ex-prefeito agiu de maneira a manter seu poder político, mesmo sem mandato, mas não deixou amarras no próximo pleito, na visão da cientista política. “O que ele fez hoje não o amarra de forma alguma para 2022. Como ele mesmo disse, ele não ‘concorda com o que o governo fez até hoje’, deixou um espaço para apoiar ‘se o governo mudar de direção, já sabendo que isso muito provavelmente não acontecerá. Mas teve seu quinhão dos bilhões distribuídos por aí. E não deve ter sido pouco”, destacou.
Quanto ao racha no DEM, com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) disparando ofensas e críticas a Neto, a cientista política avalia que Maia tentou organizar uma oposição a Bolsonaro, mas acabou enfraquecido.
“Maia parece que está preocupado com políticas, com realmente organizar a oposição a Bolsonaro. Mas ficou de mãos abanando e em uma posição bem mais frágil nos próximos dois anos. Acho que se a eleição [para presidência da Câmara] tivesse sido mais próxima, apesar das mãos abanando ele seria uma liderança forte para aglutinar a oposição. No final, acho que acabou ficando sem um e sem o outro”, afirmou.
Para o cientista político Jairo Nicolau, que tem pós doutorado na universidade de Oxford, ACM Neto foi, na verdade muito inábil ao se aproximar tanto do governo Bolsonaro. “Em menos de 3 meses jogou o capital político do DEM no lixo. Mais uma evidência de que as eleições municipais não servem para análises prospectivas. O DEM foi o grande vitorioso”, diz Nicolau, que também é professor da FGV.