Bananas para Bolsonaro
A epidemia e a tentativa de conter o colapso sanitário agravarão a desigualdade. O presidente não tem discernimento para ver o problema
O presidente gosta de distribuir bananas, infantilmente, talvez no limite do que seja capaz de articular diante das críticas consistentes a suas atitudes. Irresponsável em todas as frentes, decidiu agora atentar também contra a saúde pública, com o comportamento de macaco em loja de cristais nas manifestações de domingo e com as afirmações de elevada ignorância sobre a seriedade da pandemia do coronavírus. Logo ele, líder da comitiva da viagem aos EUA que se tornou ironicamente o maior foco concentrado de contaminação no Brasil.
Para Bolsonaro e a decrescente legião de cretinos que o apoiam nessa odisseia da boçalidade, só se pode responder com bananas, numa linguagem que entendem. Assim ganham algo com que se distrair enquanto os que têm responsabilidade e conhecimento disseminam orientações e tentam evitar um colapso do sistema público de saúde, além de pensar num futuro menos traumático para os menos favorecidos, que, como sempre, serão as vítimas maiores a se contar depois da catástrofe sanitária.
Neste momento, é fácil perceber que a epidemia tende a atingir a imensa maioria da população e que as medidas de contenção devem servir para que a pressão sobre o sistema de saúde se distribua tanto quanto seja possível ao longo das próximas semanas. O efeito do coronavírus na economia também é visível no colapso das bolsas de valores e na quebra iminente de empresas relacionadas a viagens, logística e serviços em geral. Providências vêm sendo discutidas para atenuar mundialmente esses problemas.
Mas pouco se presta atenção a duas outras características desse cenário, ambas relacionadas ao agravamento da já insustentável situação de desigualdade no país. Primeiro, sabe-se que a onda maior de contaminação em larga escala envolverá a população de baixa renda. Esse grupo social não tem como prescindir dos deslocamentos no transporte público, já vive em aglomerações insalubres nas quais não se consegue isolar ninguém e, sem o funcionamento das escolas, estará sob risco de convivência ainda maior de crianças com idosos, criando a ponte que o vírus precisa para alcançar os mais frágeis.
Além disso, nessa mesma população, milhões de trabalhadores que se movem na informalidade não terão nestes dias de paralisia dos deslocamentos nem clientes para suas atividades nem receita para pôr comida na mesa. Neste caso, de nada adiantam as medidas que Paulo Guedes pode vir a propor para socorrer grandes empresas ou mesmo empregados com carteira assinada. Só um programa emergencial cuja dimensão teria de ser estimada pelos maiores especialistas no assunto daria conta de remediar o drama de fome e carência prestes a se abater sobre favelas, cortiços, invasões e população de rua.
Multiplicando essa crise violenta que ameaça a população carente, ainda há o fato indiscutível de que a epidemia matará mais velhos e, entre eles, naturalmente, os mais pobres, acabando, entre muitas famílias, com a única fonte de renda regular: a pensão, aposentadoria ou benefício social recebido pelo idoso. De 2016 para 2017, conforme reportagem do Estadão, era de 22%, na classe E, o percentual de domicílios em que mais de 75% da renda provinha desse tipo de benefício.
O presidente Bolsonaro demonstra não ter a menor ideia do que vem pela frente e da tragédia que poderia contribuir para amenizar. Tudo o que precisa ser feito terá de ser realizado apesar dele, a despeito de seu comportamento insensível e até indecente, que não vai mudar. Só é possível mesmo dar banana para Bolsonaro, virar-lhe as costas e encarar os problemas que ele não quer enxergar.
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