Pastor da Universal de Angola: “Não tem conversa, não somos uma empresa”
Porta-voz da ala reformada diz que situação da igreja é "irreversível" e que o governo brasileiro "não determina como as coisas devem funcionar aqui"
As autoridades de Angola e as lideranças evangélicas locais que assumiram o controle por lá da Igreja Universal não receberam nada bem a investida diplomática do Brasil feita pelo vice-presidente Hamilton Mourão em visita oficial a Luanda. A mando de Jair Bolsonaro, Mourão chegou ao país fazendo pleitos junto ao governo angolano para ajudar a instituição de Edir Macedo a retomar os templos perdidos. A VEJA, o porta-voz da igreja reformada de Angola, pastor Jimi Inácio, declarou que representantes brasileiros chegaram a procurá-los para conversar, mas que não “há nada a negociar” e que a situação é “irreversível”.
“Afinal de contas, é uma igreja e não uma empresa multinacional na qual o Estado Brasileiro tenha algum interesse”, disse o pastor, ressaltando que a instituição tem origem brasileira, mas pela legislação de Angola deve ser dirigida por angolanos. “O bispo Macedo perdeu a chance de continuar a ser o líder de Angola. Ele esqueceu que a Igreja é de Deus, mas, enquanto instituição, ela é regida por leis e nem ele está acima destas leis. Vão continuar a tentar fazer de tudo, mas não surtirá efeito algum. A Igreja Universal de Angola já não depende e não responderá à igreja do Brasil. Nem a mídia nem o governo brasileiro vai mudar isso”, acrescentou.
Em encontro na última semana com o presidente de Angola, João Lourenço, Mourão chegou a falar sobre a possibilidade de uma comitiva de parlamentares evangélicos irem ao país para tratar da questão – esse plano já foi, inclusive, discutido com integrantes do Itamaraty. O governante angolano é contrário à ideia e, desde o início da crise, tem tentado se distanciar do problema, tratando-o como um assunto restrito à Justiça e interno da instituição religiosa.
Perguntado por VEJA sobre a eventual visita de deputados ligados à Universal, Jimi Inácio frisou que Angola é um “país soberano” e que o governo brasileiro “não determina como as coisas devem funcionar aqui”. Inácio acrescentou ainda: “Eles podem até vir. Serão recebidos com honra e respeito. Mas não mudará nada. Ingerência de outro Estado em assuntos internos não terá êxito”.
A crise interna da Igreja Universal de Angola se arrasta desde o início de 2020, quando uma ala dissidente de angolanos tomou o controle de centenas de templos no país. O grupo brasileiro foi se enfraquecendo à medida em que virou alvo de uma investigação por acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e discriminação. No curso da crise, alguns pastores perderam o visto e acabaram sendo deportados do país. Para piorar a situação, o governo ainda tirou do ar a TV Record, que assim como no Brasil é umbilicalmente ligada à Universal.
No início deste ano, uma assembleia-geral formada por membros da ala angolana elegeu o bispo Valente Bezerra Luís como o novo líder da Igreja. O anúncio foi divulgado pela imprensa estatal, apesar de ser contestado na Justiça de lá pelo grupo brasileiro.
O pretexto oficial da viagem de Mourão era a conferência de Chefes de Esatdo e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CLPL), que tinha como pauta a possibilidade de parcerias econômicas e as convergências da cultura e língua dos países-membros. Mourão, no entanto, confirmou que também foi escalado pelo presidente Jair Bolsonaro para tratar do problema particular da Igreja Universal.