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O Cremesp e as chamadas em vídeo para pacientes com Covid-19: o outro lado

Meu texto, assim como tudo o que posto nas minhas redes sociais, são opiniões. Elas podem ser desconsideradas ou questionadas

Por Ana Claudia Arantes
Atualizado em 13 Maio 2021, 12h12 - Publicado em 13 Maio 2021, 12h05

Quando cuidamos de uma pessoa através do nosso conhecimento técnico, dificilmente ela vai poder ter alguma opinião sobre o certo e o errado avaliando o procedimento em si. Passar um cateter central, realizar uma drenagem de tórax, prescrever uma quimioterapia, calcular uma dose corrigida de antibiótico para um doente com comprometimentos de funções de seus órgãos vitais são atitudes silenciosas diante do julgamento de quem as recebe. O que pode estar sob julgamento de avaliação do bom ou do ruim diz respeito ao impacto do modo como fazemos o que sabemos fazer.

O respeito pela opinião de quem recebe nossos cuidados é de suma importância para termos uma espécie de balança que pondera atitudes e intenções. Todos desejam fazer o melhor, mas nem sempre o modo de fazer o melhor pode ser compreendido como o caminho mais belo, bondoso e verdadeiro. Recentemente uma opinião declarada mediante a chancela de uma instituição que referencia a boa prática de quem representa trouxe um grande enigma ao meu coração. Veio de volta lembranças de “anti-exemplos” que colecionei ao longo de uma vida. Professores que ensinavam na palavra o como fazer a técnica e na hora de mostrar diante do paciente, imperava a falta de percepção da importância do respeito a opinião dele. E quando questionados sobre o que fariam por si mesmos, a grande maioria dizia que não desejaria receber os procedimentos que indicavam.

Em novembro de 2011, Ken Murray escreveu um artigo sobre o tema “How doctors die – It’s not like the rest of us, but it should be” (como os médicos morrem – não é como o resto de nós, mas deveria – em tradução livre). Fala basicamente o quanto pode existir de diferença entre o que os médicos dizem que precisa ser feito diante de uma condição médica e o que desejam que seja feito a si mesmos caso estejam na mesma situação. Uma visita breve ao tão conhecido “faça o que o eu digo, não faça o que eu faço”. A mim e a todos os médicos cabe a escolha de incessantemente buscar a coerência entre o que recomendamos e o que desejamos que seja feito quando for a nossa vez. 

Há alguns dias escrevi um texto permeado de intensa indignação por conta da interpretação que tive sobre um parecer do Conselho Regional de Medicina. No texto, o autor dizia que era proibido realizar chamadas de vídeo entre pacientes que estavam na uti, entubados, em seus últimos momentos de vida biológica e seus familiares aflitos. Fui severamente repreendida através de um e-mail contendo uma notificação extrajudicial que me obrigava a retirar a matéria e o post das redes sociais e ainda a fazer uma retratação acerca da minha dificuldade em entender que um texto que diz ser proibido fazer chamadas de vídeo na verdade não diz que é proibido realizá-las.

A justificativa exposta em nota adicional emitida após intensa pressão foi que o parecer emitido trata apenas de uma opinião e não tem força de lei ou de resolução.

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Meu texto, assim como tudo o que posto nas minhas redes sociais e por aqui podem ser também considerados apenas como opiniões. Mas gostaria de partilhar que todo o preparo que pratico em sua elaboração vem de bases cientificas e humanas bem claras e profundas. Não tenho dúvida de que, quem emitiu uma opinião que impede a atitude mais humana e sensível do médico diante da morte de um paciente que é amado por pessoas que estão distantes dele realmente o fez pensando no melhor que poderia ser feito. Muitas vezes emitimos uma opinião com base no medo.

Medo de se envolver, medo de sofrer, medo de se sentir comprometido com o cuidado e zelo pela dignidade de outra pessoa que não a sua própria levando a um sofrimento pessoal muito difícil de lidar – a impotência diante da morte. Muitas pessoas pensam que o melhor a ser feito diante de um sofrimento é apenas ignorá-lo, como explicado na metáfora que usei no meu livro quando descrevo a postura das pessoas diante do tema da morte – são como crianças que brincam de esconde-esconde numa sala vazia, certas de que não são vistas se cobrem seus olhos. 

Então eu retifico o que eu disse no último artigo aqui, que até já foi retirado do ar como exigido. E então digo que o CREMESP não emitiu uma nota de proibição das chamadas de vídeo entre familiares e pacientes morrendo nas UTIs. E reforço, como foi também escrito por eles, que foi apenas uma opinião que pode ser desconsiderada, que pode ser questionada. E que sendo assim, agradeço ao CREMESP a oportunidade de novamente recomendar essa medida, de pedir aos meus colegas que não escolham esconder seus olhos diante do sofrimento abismal que estamos sendo testemunhas nesta pandemia. 

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Por favor, não percam sua sensibilidade e permitam a despedida final. Esta atitude recomendada por um profissional da medicina, tão singela e aparentemente tão tola, pode realmente salvar muitas vidas do abismo de um processo de luto violento, cruel e desamparado. E aproveito a oportunidade de emitir minha opinião por aqui, que se caso isso aconteça comigo, por favor façam uma chamada de vídeo, ou até mesmo de áudio, com meus filhos e meus poucos amigos muito amados, pois eu desejo ser exposta a ouvir a voz deles e sentir seu amor numa última vez nesta existência tão breve. Quem mais concordar comigo, expresse isso por escrito o mais breve possível, antes que possa haver uma triste coincidência entre a opinião de quem deu o parecer e a do médico que vai cuidar de você nos seus dias finais.

Estamos vivendo tempos sombrios que nos permitem com muita frequência fazer escolhas sobre de que lado vamos ocupar na nossa vida. O que sei é que se os que fazem mal ao mundo em que eu vivo podem estar contra mim, isso só reforça que estou do lado certo.

Opinião, medo, repreensão, violência, indignação passam. O amor pela vida, pelo cuidado, pela dignidade humana para todos os seres humanos não vai passar.

Letra de Médico - Ana Claudia Arantes
(Ricardo Matsukawa/VEJA)
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