Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Isabela Boscov

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

“Três Anúncios para um Crime”: em cartaz, a outra América branca

No coração caipira do país, Frances McDormand é uma mãe que procura alguma justiça

Por Isabela Boscov 16 fev 2018, 16h06

Pobre ou empobrecida, carente de emprego ou de qualificação, presa em um ciclo de ignorância e ressentimento: essa América branca que vive do lado de lá dos trilhos sempre existiu – mas, depois de ver suas fileiras engrossarem com as mudanças na ordem econômica global e de se sentir descartada por um progressismo que cada vez mais despreza seus valores conservadores, ela foi parar nos braços de Donald Trump. E, agora sim, conseguiu fazer com que lembrem que ela está lá. Entre as pessoas que começam a tentar entender sua insatisfação (recomendo muito o belíssimo artigo “Visões de uma Nova América”, de Eduardo Wolf, na edição de 14 de fevereiro de VEJA), estão alguns cineastas que se saíram com um punhado dos melhores filmes deste ano (além da série Ozark):  Projeto Flórida, Eu, Tonya,  Mudbound (que contrapõe uma família negra e uma branca, ambas exaustas de tanta pobreza) e o ótimo Três Anúncios para um Crime. No drama dirigido pelo inglês Martin McDonagh – ser estrangeiro às vezes ajuda a ter um olhar mais desassombrado –, Frances McDormand encarna com uma convicção e um desamparo assustadores a protagonista Mildred Hayes, vendedora de uma lojinha de suvenires no interiorzão do Missouri que, há um ano, perdeu a filha adolescente de maneira bárbara. A polícia não achou ainda um suspeito sequer e, na prática, o caso está abandonado. Não, porém, no que depender de Mildred, que põe em pé de guerra sua cidadezinha com três outdoors que cobram alguma providência. Ódios que havia muito tempo fermentavam repentinamente se incendeiam, e tanto Mildred como um dos policiais, o ignorante Dixon (Sam Rockwell), perdem o juízo. O chefe de polícia (Woody Harrelson, numa interpretação linda) tenta chamá-los à razão e desarmar essa bomba de ira que arrasou a pequena Ebbing. Cheio não só de desespero mas também de humor, Três Anúncios procura a maior de todas as notas de graça: fazer com que esses estereótipos voltem a ser vistos, e a se ver, como pessoas.

Leia aqui a resenha completa:


Na Margem Oposta

No excelente Três Anúncios para um Crime, Frances McDormand compõe um retrato lacerante – mas cheio de humor – de uma mãe que, com seu luto, ateia fogo a um grotão americano

Faz cerca de um ano que a jovem Angela foi estuprada e assassinada. De tão transtornada, sua mãe, Mildred Hayes (Frances McDormand), atravessou para a outra margem: compactou sua dor em um ódio metódico, regular, ininterrupto. Mildred se manifesta instalando três outdoors numa estradinha, com uma frase simples em cada um deles. O primeiro outdoor descreve com brevidade horripilante a morte de Angela. O seguinte lembra que nenhum suspeito foi detido ainda. O último exige do chefe de polícia, Bill Willoughby (Woody Harrelson), uma atitude. Mildred arma a bomba, e o policial Dixon (Sam Rockwell), ignorante e racista, acende o pavio, ao levar a iniciativa dela para o lado pessoal. Dia após dia, as ondas de choque se expandem por Ebbing, um lugarejo daquelas profundezas dos Estados Unidos que fervilham de ressentimento racial, econômico e social. Willoughby, um sujeito decente, tenta explicar a Mildred as limitações da lei (“não, não podemos colher o DNA de todos os homens acima de 8 anos”), assim como as da pequena força que comanda: “Se eu conseguisse recrutar três policiais que não fossem racistas, eles certamente seriam homofóbicos”, diz, com um sorriso cansado, em uma cena memorável de Três Anúncios para um Crime, que vem com sete indicações ao Oscar. Três atores estão concorrendo ao prêmio – e é pena que não haja vaga também para o restante do elenco. (Não há explicação racional, contudo, para o diretor Martin McDonagh ter ficado de fora.)

Continua após a publicidade
Três Anúncios para um Crime
(Fox/Divulgação)

Três Anúncios tem uma dívida para com a obra dos irmãos Joel e Ethan Coen, e em particular com Fargo, indicado ao Oscar em 1997, na maneira como trata das coisas horríveis da vida pelo viés do humor – mas um humor em carne viva, que às vezes o inglês McDonagh faz submergir em momentos de emoção intensa, e então deixa aflorar de novo. Tem, inclusive, a mesma protagonista: Frances McDormand, que foi oscarizada então e quase com certeza o será de novo por este desempenho lacerante. Frances, uma atriz cuja única vaidade é a disposição para se despir de toda vaidade, anda pelo filme metida num macacão velho, com o cabelo cortado a navalha, o rosto crispado, o queixo à frente em sinal de batalha. Com sua ira justa, Mildred comete algumas justiças, várias injustiças e pelo menos um ato de ferocidade indesculpável. Mais que tudo, indigna Ebbing com suas cobranças a Willoughby, que passa por um momento dificílimo.

Três Anúncios para um Crime
(Fox/Divulgação)

Se a força do filme está em Frances, sua grandeza vem do personagem de Harrelson. O chefe de polícia Willoughby é, sim, um daqueles caipiras rematados que o ator costuma encarnar, de fala colorida e tolerante para com a truculência alheia. Mas é também um policial dedicado e um homem de consciência, e anda preocupado com o rescaldo desse drama. Valendo-se de um recurso em geral piegas, mas que aqui atinge grande efeito, McDonagh ajuda Willoughby a se fazer ouvir com recados de compaixão para Dixon, e de calma para Mildred. As circunstâncias fazem os recados calar fundo, e é claro o desejo do diretor de que não só Dixon e Mildred os recebam. Três Anúncios ostenta sua ambientação na América interiorana, branca, pobre, conservadora, religiosa e portadora de armas – na percepção geral, a que elegeu Donald Trump – para expor como a vida nela pode também ser esquálida e infrutífera, e carente de algum senso de justiça. Ouvir as pessoas que estão na margem oposta das convicções, porém, é um milagre que está ao alcance humano – e o único capaz de fazer com que estereótipos voltem a ser pessoas. É com um desses milagres, pequeno é tímido, mas precioso, que Três Anúncios se encerra: depois de tanta corrosão, alguma compreensão.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista Veja em 14/02/2018
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2018

Trailer

Continua após a publicidade
TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME
(Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)
Estados Unidos, 2017
Direção: Martin McDonagh
Com Frances McDormand, Sam Rockwell, Woody Harrelson, Lucas Hedges, Sandy Martin, Abbie Cornish, Caleb Landry Jones, Clarke Peters, Peter Dinklage, John Hawkes, Zeljko Ivanek, Amanda Warren
Distribuição: Fox
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.