
Molto leggero
O encontro entre Woody Allen e Roma produz graça, simpatia e até alguma acidez – mas não faísca
Em seu giro pela Europa, Woody Allen fez desde divertimentos despretensiosos até um ótimo filme (Vicky Cristina Barcelona) e dois outros que ficarão como destaques em sua carreira (Match Point e Meia-Noite em Paris). A Roma solar e hedonista desta sua nova parada, porém, não tem um ponto de contato firme com o temperamento do cineasta – não, ao menos, comparável à angústia de classes britânica, às pulsões eróticas que se associam à Espanha ou à promessa de um eu renovado encarnada por Paris. Na ausência de atrito, assim, não se produz faísca em Para Roma, com Amor. Produzem-se graça, simpatia, um tantinho de acidez e uma inesperada redenção cômica para Roberto Benigni. Numa das quatro tramas que, quando se tocam, é de forma tênue, Benigni é um sujeito comum que por uma vagaria qualquer os tabloides e a TV elegem como celebridade: querem divulgar se ele faz a barba antes ou depois do café da manhã, e se prefere o pão fresco ou torrado (ele nada de mais excitante teria a dizer). O sujeito se horroriza com a atenção – e então, quando a roda da fortuna gira, horroriza-se em perdê-la.
Nos outros enredos, um casalzinho do interior se separa acidentalmente e vive aventuras com parceiros de ocasião (ele, com uma prostituta interpretada por Penélope Cruz); um talento da ópera (vivido pelo tenor Fabio Armiliato) é lançado por um produtor musical aposentado – o próprio Allen – mas, como só consegue cantar sob o chuveiro, tem-se sempre de levar um boxe de banho para o palco; e um estudante de arquitetura (Jesse Eisenberg) é aconselhado por uma projeção já madura de seu ego (Alec Baldwin) quando se apaixona por uma moça cheia de pose e de vento (Ellen Page).
O formato é uma homenagem jovial de Allen ao filme em episódios distribuídos entre vários diretores, uma constante na produção italiana dos anos 60 e 70 – e é graciosa também a piada recorrente sobre como é fácil perder-se em Roma. Nos subterrâneos da brincadeira, contudo, pressente-se tensão: esta é a cidade de A Doce Vida, afinal, e o Allen cinéfilo e grande cineasta bem que gostaria de se testar contra um monumento como esse. Gostaria, mas não tem coragem (e é curioso notar que nem seu ídolo Ingmar Bergman o intimidou tanto). Ele assinala o gosto romano do prazer pelo prazer, mas abstrai dele o caráter ritualístico e substitutivo que repugnava Marcello Mastroianni no filme de Fellini. Nota a compulsão dos homens romanos por seduzir, mas tira dela todo o fundo trágico para se resumir ao farsesco. Inversamente, é a sua blague com o tenor de chuveiro que termina por causar certa tristeza: talvez não haja nenhum outro país no mundo em que se ouçam tantas belas vozes cantando para si, na rua, quanto a Itália, e castrar assim uma delas parece muito mesquinho. Pode ser, também, que o personagem provoque essa reação porque o próprio Allen parece estar se sentindo assim, com a voz meio limitada e incerta. Não é o caso de pedir que ele volte a Nova York, já que o passeio lhe tem feito muito bem do ponto de vista criativo. Mas, quem sabe, se poderia sugerir Florença da próxima vez. Na cidade de Dante, dos Medici e de Maquiavel, é mais provável que Allen soe afinado.
Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 04/07/2012
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Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2012
PARA ROMA, COM AMOR
(To Rome with Love)
Itália/Espanha/Estados Unidos, 2012
Direção: Woody Allen
Com Roberto Benigni, Jesse Eisenberg, Alec Baldwin, Ellen Page, Penélope Cruz, Judy Davis, Alison Pill, Fabio Armiliato, Ornella Muti, Woody Allen, Greta Gerwig, Giuliano Gemma