“Mistérios Sem Solução”, da Netflix: num instante, a vida de ponta-cabeça
Nova leva de seis episódios da série clássica da TV americana seduz pelos enigmas, mas impressiona pelo impacto dos casos em quem convive com eles
Começar pelo episódio Mistério no Telhado foi a melhor decisão possível dos produtores desta antologia: a história do desaparecimento de Rey Rivera, um recém-casado de 34 anos que se mudara com mulher para Baltimore para trabalhar com um amigo no mercado financeiro, é tão enigmática e cheia de eventos inexplicáveis que, não por acaso, virou mania no Reddit, onde dezenas de teorias vêm sendo tecidas. É improvável que alguma delas já não tenha ocorrido aos investigadores do caso ou à viúva de Rey, que desde de 2006 procura sem parar por uma pista que esclareça por que ele saiu correndo de casa naquela noite, de chinelos, e nunca mais foi visto, até que… Não vou falar o quê; digo apenas que também eu não paro de pensar em hipóteses que deem conta da descoberta estranhíssima que foi feita alguns dias depois do sumiço dele e que, em vez de jogar luz sobre os acontecimentos, embaralhou tudo de vez. Mistérios Sem Solução é um programa antigo e clássico da TV americana: criado em 1987, já teve mais de 500 episódios em encarnações diversas. Sobrevive muito bem nesta nova leva de casos feita para a Netflix (mais uma leva deve estrear até o final do ano) porque a crônica policial é farta em pendências nunca solucionadas, e porque o programa trata delas com perícia: muita pesquisa para levantar novas evidências e localizar testemunhas ou envolvidos, entrevistas muito bem conduzidas e bem editadas, visitas cuidadosas aos locais de interesse para cada caso e apuro nas eventuais reconstituições – nada com aquela cara meio brega de reconstituição do History. O verdadeiro impacto de Mistérios Sem Solução, entretanto, vem de outro elemento: da perplexidade e incredulidade dos familiares e amigos, do desconsolo, da sensação terrível que, de um minuto para o outro, a vida que ia caminhando pode parar abruptamente e ficar para sempre em suspenso; sem respostas, os afetados pelos mistérios não conseguem seguir em frente – e os produtores da série fazem excelente trabalho de ir desdobrando as etapas que essas pessoas atravessam, desde o momento em que começam a imaginar o pior até a constatação de que ele aconteceu e, então, a convivência interminável com a dúvida e a ausência.
Depois do caso de Rey Rivera, porém, fica difícil manter o mesmo nível de charada. O interesse, entretanto, permanece. Casa do Terror, sobre a maneira repentina como o conde Xavier Dupont de Ligonnés, sua mulher e os quatro filhos deixaram sua casa na cidade francesa de Nantes, chega perto – e a parte do mistério que foi de fato solucionada é de um horror indescritível. Treze Minutos é de partir o coração e também de deixar um mal-estar duradouro: há algo de muito perverso, ou pervertido, no ódio do padrasto Rob Endres por seu enteado Pistol Black, que tinha 16 anos quando sua mãe, cabeleireira de uma cidadezinha, deixou o almoço esquentando no salão e como que desapareceu da face da Terra. Já Sem Carona causa outro tipo de tristeza: está na cara que só não se conhece a identidade dos responsáveis pelo que se passou com o rapaz Alonzo Brooks porque a polícia local os acobertou. Da mesma forma, o enigma de Testemunha Desaparecida está tão-somente no paradeiro da personagem central – e, para os mais crentes nos bons anjos da natureza humana, na constatação de que ela pode ser um abismo sem fundo.
A parte mais duvidosa do formato clássico de Mistérios Sem Solução é a inclusão de casos paranormais e de ufologia. O peixe fora d’água nesta leva de episódios é Óvni de Berkshire, que, como anuncia o título, sai do circuito policial para adentrar um território mais controvertido. O caso ocorrido em 1º de setembro de 1969 numa região do estado de Massachusetts é de fato impressionante pela quantidade de testemunhas – crianças, adolescentes, adultos, gente sem relação entre si, que não se conhecia e que estava em pontos distantes do condado –, pela minúcia dos relatos e pela consistência entre eles. Ganha respaldo, também, pelas imagens recentes de artefatos não-identificados feitas por pilotos da Força Aérea que o governo americano vem liberando. Mas, para os céticos, fica sempre aquele não-sei-o-quê no ar. De mais a mais, os cinco outros episódios comprovam que, sozinhos, os terráqueos já são capazes do inexplicável em quantidade mais do que suficiente.