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Por Coluna
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‘Mindhunter’: os criminosos na era do ego

Em sua segunda temporada, a excepcional série vai ao coração do fenômeno dos serial killers: o narcisismo, de um lado, e o culto à celebridade, de outro

Por Isabela Boscov Atualizado em 23 ago 2019, 14h38 - Publicado em 23 ago 2019, 06h30

No churrasco com os vizinhos ou no jantar formal, a reação é sempre a mesma: basta alguém ficar sabendo que Bill Tench (Holt McCallany) entrevista serial killers como parte de seu trabalho no FBI e a roda se fecha em torno dele. “Você conversou com Charles Manson? Com o Filho de Sam?”, indagam todos, alvoroçados. O rosto apático do psicólogo que trata o filho de Tench se acende ao imaginar uma ocasião como essa; o diretor-­geral do FBI deixa a cabeceira da mesa e muda de lugar para ficar perto de Tench quando ele relata seus encontros com Ed Kemper, que fez coisas inimagináveis com os corpos de seis jovens, seus avós e sua mãe. Por alguns minutos, enquanto reflete a celebridade desses psicopatas, também Tench é uma espécie de celebridade. Tench joga o jogo, porque ele promove seu trabalho. Mas sabe que essa curiosidade tem algo de indecente: é um efeito do qual a causa — a barbaridade contra as vítimas — é removida ou mesmo tratada como fonte de excitação. É de uma falta de empatia, enfim, que imita a dos criminosos. Não é por acaso que o jovem Holden Ford (Jonathan Groff), parceiro de Tench e a força intelectual que move a unidade, causa tanto desagrado; ao rechaçar as tentativas de fazer dos assassinos seriais tema de conversa miúda, ele desnuda essa baixeza — e, sem querer, revela o sentimento de posse que nutre por seus objetos de estudo. Ego e celebridade, em suas infinitas permutações, são os personagens que dominam a segunda temporada da excepcional série Mindhunter, já disponível na íntegra na Netflix.

Na leva inaugural de episódios, de 2017, o criador Joe Penhall e o produtor/diretor David Fincher haviam nada menos do que transformado o tema dos serial killers ao situar a trama em 1977, momento em que o assassino compulsivo, de motivações insondáveis, começava a ser percebido como um fenômeno da era. Holden Ford, inspirado na figura real do agente John Douglas, quer entrevistar em pessoa os criminosos que já foram apreendidos, para assim formular perfis psicológicos que auxiliem na captura dos outros que inevitavelmente surgirão.

A ideia é considerada estapafúrdia pelo FBI, estagnado na ortodoxia; mas Ford insiste até ganhar um parceiro experiente — Bill Tench — e também o sinal verde para conversar com psicopatas como Ed Kemper. Articulado, inteligente e amável (e estupendamente interpretado pelo ex-professor de pré-escola Cameron Britton), Kemper comprova a validade da teoria de Ford e Tench, que seguem entrevistando outros assassinos, com o reforço analítico da pesquisadora Wendy Carr (Anna Torv). David Fincher, de Seven e Zodíaco, é o cineasta mais talentoso, deliberado e competente em atividade hoje, e Mindhunter inovou também ao exibir dez horas de um programa no qual o diálogo é forma irresistível de ação.

Nesta segunda temporada, o estudo psicológico já se tornou a vanguarda do FBI, e Penhall e Fincher vão ao coração do fenômeno dos serial killers: seu narcisismo, seu desejo de poder, sua necessidade de provar dominância e superioridade — seu ego, em suma. Em paralelo, Mindhunter destrincha o outro lado da equação: o fascínio inesgotável do público, com o qual este alimenta a sede pela celebridade assassina. Ford e Tench entrevistam uma figura crucial: Charles Manson, a sombra que paira sobre Era Uma Vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino (e que é interpretado pelo mesmo ator do filme, Damon Herriman). O diminuto Manson, que instigou nove assassinatos mas nunca pôs as mãos em ninguém, fala com os agentes empoleirado em uma cadeira, e devolve a eles, em versão distorcida, todas as suas percepções.

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Aí se tem o outro flanco pelo qual Mindhunter agora ataca: o reflexo no espelho, ou o temor secreto de que a perversão possa existir em qualquer um. Tench está às voltas com um evento terrível em sua casa; a acadêmica Wendy questiona se sua homossexualidade é um desvio; e Ford se deixa cegar pela arrogância enquanto tenta identificar o homem que está matando crianças negras em Atlanta em ritmo acelerado (um caso verídico, que deixou 28 mortos entre 1979 e 1981). Ainda sem aparecer no radar dos agentes, outro assassino notório, o BTK, mergulha nas suas compulsões — e promete, para a provável terceira temporada, todo um novo inventário das confluências funestas entre personalidade e espírito do tempo.

Publicado em VEJA de 28 de agosto de 2019, edição nº 2649

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