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Por Coluna
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A perturbadora cinebiografia do serial killer Ted Bundy

Filme mostra a história pelos olhos da namorada que nunca suspeitou que o bonitão a seu lado fosse um criminoso bárbaro

Por Isabela Boscov Atualizado em 29 jul 2019, 15h24 - Publicado em 26 jul 2019, 07h00

Ted Bundy negou e negou, desde a primeira vez em que foi detido até sua estada no corredor da morte. Mas, antes de ser executado na cadeira elétrica, acabou confessando ter matado, violado (inclusive após a morte) e, em alguns casos, praticamente despedaçado trinta mulheres entre 1974 e 1978. As autoridades dos estados do Oeste americano em que ele deixou seu rastro acreditam que o número de vítimas seja muito superior ao admitido. Bundy era um sujeito cheio de caprichos e pode ter escolhido negacear para ficar com uma espécie de palavra final — ou matou tanto que pode não ter contabilizado com precisão todas as jovens que atacou nos seus frenesis de selvageria. O certo é que, quando ele conheceu a tímida mãe solteira Elizabeth Kloepfer, já havia cometido vários de seus crimes. Os outros viria a cometer nas horas em que não estava junto da namorada, mimando-a, fazendo juras de amor e propondo casamento.

O ponto de vista de Elizabeth, interpretada por Lily Collins, é o que faz toda a diferença em Ted Bundy — A Irresistível Face do Mal (Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile, Estados Unidos, 2019), já em cartaz no país: repetidas vezes, ela se indaga como foi possível conviver tão de perto e por tanto tempo com um homem, dividindo com ele os cuidados da casa e da filha pequena, sem fazer ideia de que a pessoa sedutora, amorosa e sincera era uma invenção, e a realidade era o assassino contumaz que se ocultava atrás dessa fachada. No filme do diretor Joe Berlinger, Eliza­beth demora a se convencer de que Bundy realmente é aquilo que afirmam os policiais e promotores, porque as alternativas são terríveis: quantas vezes ela não teria posto sua vida e a de sua filha em risco? Teria ela colaborado inconscientemente para deixar-se enganar? O mais repulsivo de tudo: o que nela fizera Bundy apegar-se tanto, e poupá-la?

Ao se concentrar mais na aturdida Elizabeth que nos encontros do protagonista com suas vítimas (os detalhes horripilantes vêm à tona, quase todos, diante do juiz vivido por John Malkovich, em atuação excelente), o diretor põe em relevo o tipo peculiar de impotência a que Bundy reduzia suas vítimas. Joe Berlinger é um documentarista premiado, com experiência na reconstituição de investigações criminais, e assina também a série documental Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy, que está disponível na Netflix e tem como base as centenas de horas de conversa que o repórter Stephen Michaud gravou na cadeia com o serial killer — das quais este emerge não apenas como um narcisista, mas também como um mito­ma­nía­co que modificou, para si mesmo, os detalhes de sua biografia (por exemplo, a incompetência social) que não se encaixavam em sua narrativa idealizada. Em certo sentido, Bundy adotou e persuadiu-se de uma versão de si mesmo: o rapaz bem-apessoado, desenvolto, que transitava em qualquer círculo e que ia fazer e acontecer. Chegou a trabalhar em campanhas do Partido Republicano e participou de um comitê anticrime do Estado de Utah sem jamais ter soado uma nota falsa.

Se era assim inabalável o compromisso de Bundy com o exterior que criara para si, e tão completa sua habilidade de manter estanque o seu interior, seriam virtualmente nulas as chances de suas vítimas de identificar o perigo que tinham à sua frente. Esse aspecto perverso é central em Face do Mal. Zac Efron, ex-ídolo juvenil do High School Musical da Disney, encarna o estudante bonitão com o sorriso cativante, os bons modos e o jeito articulado de se expressar que tanto facilitaram a Bundy atrair jovens, quase sempre universitárias, para suas armadilhas (e que, durante seu julgamento, lhe renderam um contingente de admiradoras). É, em suma, um personagem perfeito para os dias de hoje: um mestre em cegar com aparências, em vender versões no lugar dos fatos e em negá-los peremptoriamente, mesmo diante de evidências inequívocas.

Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645

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