Redação nota 10?
MEC tem um entendimento equivocado a respeito do que seja alfabetizar, de como avaliar a alfabetização e de quando se devem ensinar a leitura e a escrita.
Examine, caro leitor ou leitora, a redação abaixo, feita por um aluno do final do terceiro ano do ensino fundamental:
Eu e minhas amigas não gostamos de uma merendeira, bateu o sino fomos pegar pão eu perguntar se tinha de morango para a merendeira que eu e minhas amigas quanto eu perguntei ela respondeu – não sei, amor fiquei com olhos arregalados e isso aconteceu duas vezes na escola, e por fim eu até que gosto dela um pouquinho. |
Que nota você daria?
Pelos critérios do MEC/INEP, esta redação é nota 10. De acordo com a chave de correção, ela atende plenamente aos seis requisitos esperados de um aluno ao final do 2o ano do Ensino Fundamental: sequência narrativa, elementos da narrativa, coesão, segmentação, ortografia e pontuação.
Os especialistas em redação poderiam levantar várias questões, por exemplo, saber se a expectativa é razoável para alunos a esta altura da escolarização; se os critérios adotados são razoáveis; ou se os critérios foram aplicados de forma rigorosa no exemplo dado. Não sei o que você pensa a respeito e que providencia tomaria, se seu filho estivesse nessa turma.
A redação é uma das três partes da prova chamada ANA – Avaliação Nacional da Alfabetização. As duas outras partes consistem de um ditado e leitura/interpretação de textos – e lá os problemas são ainda maiores. Ou seja: a prova ANA não mede nada, e certamente não mede o que os especialistas internacionais que estudam o tema entendem como “alfabetização”.
Uma das causas do atraso educacional do Brasil é o fato de que as crianças não são alfabetizadas adequadamente no primeiro ano. A causa disso é conhecida e comprovada pela própria forma de elaboração da prova da ANA: o MEC, apoiado em especialistas de universidades públicas, tem um entendimento deliberadamente equivocado a respeito do que seja alfabetizar, de como avaliar para saber se o aluno foi alfabetizado e de quando e como se devem ensinar as diversas competências de leitura e escrita.
A causa do equívoco é o predomínio de uma visão ideológica em detrimento das evidências científicas sobre o ensino da alfabetização e sobre as diferenças entre escrever e redigir e entre aprender a ler e compreender o que se lê. Mas essa ignorância é culposa – as autoridades do MEC não levam em conta as evidências científicas e as recomendações internacionais, inclusive as recomendações da Academia Brasileira de Ciências.
No dia 25 de outubro, o MEC divulgará os resultados da ANA de 2016, mas o INEP já antecipou que não divulgará os microdados agora, o que impede qualquer análise mais rigorosa.
É nesse contexto que o MEC vai apresentar sua Política Nacional de Alfabetização. Também diz que quer promover um debate. Vale conferir.