Vitória de perna curta
Uma coisa é o retrato da eleição do dia 1º, outra o desenrolar do filme daqui em diante

O presidente da República conseguiu neste 1º de fevereiro finalmente cravar duas vitórias em sua ampla contabilidade de derrotas nesses dois anos de governo, com a eleição de seus prediletos às presidências da Câmara e do Senado. Mas, uma coisa é o retrato do dia, outra bem diferente é o desenrolar do filme daqui em diante.
Sem dúvida foram resultados expressivos: quase o triplo dos votos no Senado (57 a 21) e mais que o dobro (302 a 145) na Câmara. Isso, no entanto, não significa que o governo terá assegurados esses apoios nas votações cotidianas. Continuará precisando negociar caso a caso e, dependendo do caso, nem todas as emendas e cargos do mundo levarão Jair Bolsonaro ao êxito esperado.
A chamada agenda de costumes, por exemplo, seguirá ignorada e, se pautada, derrotada. Pelo simples fato de que não passam na sociedade. Não por acaso nenhum dos dois eleitos, o senador Rodrigo Pacheco e o deputado Arthur Lira, fizeram em seus discursos sequer menção a qualquer dos pontos caros ao chamado grupo ideológico.
Donde é um equívoco considerar que o Executivo poderá tratar o Legislativo como um quintal do Planalto e adjacências. E sabe por quê? Porque a independência do Parlamento não é só uma palavra vazia. É, sobretudo, uma moeda valiosa tanto para parlamentares adeptos da boa política quanto para aqueles que enxergam nela oportunidade de negócios. A submissão é má conselheira seja no campo ideológico ou no terreno do fisiologismo.
Além disso, tanto Pacheco como Lira foram eleitos com votos dissidentes da oposição. Não foram poucos e cobrarão os devidos preços. Mais que atenção ao Palácio do Planalto, os presidentes da Câmara e do Senado precisam atender às demandas do respectivos colegiados, se quiserem exercer seus mandatos em ambiente de relativa paz. Bom atentar para o fato de que ambos, se não forem concorrer a outros cargos eletivos em 2022, são candidatos à reeleição em 2023. Daí a necessidade de cuidarem do prestígio interno.
Bolsonaro ganhou, mas não levou tudo o que busca transparecer. Imprimiu o carimbo da vitória da agressiva ofensiva de pagamento de emendas em janeiro, mas não foi essa a única variável das vitórias de Pacheco e Lira. Este teve a inestimável contribuição dos erros de Rodrigo Maia e dos ressentimentos cultivados por ele. Aquele contou com a habilidade e o apreço semeado entre os pares por Davi Alcolumbre.
O prazo de validade maior ou menor dessas duas vitórias dependerá do comportamento do presidente da República. Será mais extenso quanto menos estapafúrdia e inepta for a conduta dele na chefia da nação.