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Atração mortal

A dinâmica do “não” deixa como legado de cada eleição um contingente enorme de insatisfeitos

Por Dora Kramer Atualizado em 4 out 2021, 10h27 - Publicado em 1 out 2021, 06h00

As posições extremadas na política animam o ambiente eleitoral, quanto a isso não há dúvida. A polarização “dá onda”, ativa a adrenalina geral, como mostra o destaque obtido por personagens adeptos desse tipo de estilo. Usuários da excitação conquistam as melhores posições nas pesquisas sobre intenções de voto.

A forte emoção é um atrativo, mas no caso da eleição de alguém para ocupar a liderança da República por quatro ou oito anos o resultado de tal atração pode ser mortal. O menor dos malefícios é a produção de hordas de arrependidos. O maior são os prejuízos causados ao país por escolhas baseadas em sentimentos exacerbados que interditam os pensamentos.

Gosto de exemplos da história recente. São didáticos e facilitam a compreensão das coisas. Volto à primeira eleição direta pós-ditadura, quando havia 22 candidatos à Presidência à direita e à esquerda, vários com trajetória e reputação sólidas.

A despeito do bom cardápio à disposição — cito apenas dois, Ulysses Guimarães e Mário Covas, para não fazer juízo de valor sobre os vivos —, a maioria optou por um arrivista que soube capitalizar a raiva do brasileiro em relação ao então presidente José Sarney. Bom condutor da transição democrática, ficou marcado pela explosão inflacionária.

Em 1989, Fernando Collor foi quem se colocou de maneira mais agressiva contra o presidente chamado por ele de “batedor de carteira da história”. Não obstante a existência de fatos condenáveis ocorridos nas passagens de Collor pela prefeitura de Maceió e pelo governo de Alagoas e que viriam a ser repetidos em maior escala na Presidência interrompida por impeachment, as pessoas (imprensa, inclusive) deram mais atenção às miragens do “caçador de marajás” que à realidade.

Daí, estabeleceu-se o maniqueísmo: criticar Collor era algo visto como uma maneira de elogiar Sarney. Uma falsa equivalência que, por impulsiva, resultou na pior solução. Trocando o sinal do ódio pelo do amor, tivemos a eleição de Dilma Rousseff — uma inepta de carteirinha —baseada exclusivamente na adoração majoritária por Luiz Inácio da Silva, que saía de dois governos com índice de aprovação de 80%.

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“A polarização ativa a adrenalina, mas no voto para presidente esse ‘barato’ pode sair caro”

O tempo passou, o vento virou e chegamos à situação de 2018, quando a maioria de novo se deixou conduzir pela emoção, levando à Presidência um deputado conhecido pela tendência ao destrambelho, sob a alegação de que era preciso evitar a volta do PT ao poder.

Quase três anos depois, as pesquisas indicam preferência por Lula para impedir a reeleição de Jair Bolsonaro. É a adoção do mesmo critério de modo invertido. Tem lógica isso? Primeiro eleger Bolsonaro para rejeitar Lula e depois eleger Lula para repudiar Bolsonaro? Tudo bem se esse eleitorado fosse motivado por ver boas qualidades em um ou no outro e não por razões de repúdio mútuo.

Esse tipo de visão de mundo põe as pessoas na condição de agentes, e ao mesmo tempo as faz reféns, da divisão entre poderes opostos, incompatíveis e vistos como negativos. É a dinâmica do “não” que, no mínimo, deixa como legado de cada eleição um contingente enorme de insatisfeitos.

Governos escolhidos assim já começam sob o signo da desesperança e da turbulência permanente. A continuar nessa toada, o Brasil tão cedo não se reencontra com o rumo da caminhada adiante. Seguirá prisioneiro das exaltações eleitorais. A retomada de um ambiente de razoável normalidade implica necessariamente escolhas minimamente objetivas.

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Há um conjunto de atributos a ser levados em conta que certamente estarão ao todo ou em parte presentes em alguns dos nomes que frequentam o atual horizonte das possibilidades presidenciais: capacidade de liderança, de inspiração, de promoção do entendimento, de compreensão sobre os limites do exercício do poder, de enfrentar o contraditório com moderação e, sobretudo, de se conduzir sob a égide do senso de urgência sobre as prioridades nacionais.

Nada de extraordinário. Não é necessário que emerja das articulações em busca de candidaturas alternativas um guia genial dos povos, ninguém que considere que os fins justificam a aplicação de quaisquer meios nem que tenha pretensão de fazer dos brasileiros uma legião de adoradores desprovidos de senso crítico.

Homem ou mulher dotados de preparo, de bom senso e desprovidos do sentimento de ajuste de contas com o passado na atual conjuntura já seria um ganho.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758

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