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Cuscuz-paulista

Invenção espontânea dos bandeirantes ou adaptação de receita africana em São Paulo, virou um dos grandes pratos brasileiros

Por J.A. Dias Lopes 1 jul 2019, 14h03

No dia em que elegermos as comidas mais representativas da cozinha brasileira, o cuscuz-paulista será uma das mais votadas. Disputará um lugar de destaque com a feijoada completa, o churrasco à gaúcha, a canja de galinha, a galinha ao molho pardo e a de cabidela, o leitão pururuca, as moquecas capixaba e baiana, a torta capixaba, o vatapá, o pato no tucupi, o frango com quiabo, o arroz de carreteiro, o barreado, o tutu à mineira, as farofas, o camarão à São Luís, a dobradinha, picadinho meia-noite e ufa! São tantas as candidaturas da apetitosa culinária nacional que sempre faltará lembrar de alguma.

O cuscuz-paulista é um bolo salgado cuja receita manda combinar as farinhas de milho e de mandioca, mas comporta variantes. É preparado no vapor, na boca do fogão, em recipiente característico de barro ou metal; ou em uma fôrma com furo no centro; ou dentro do forno; ou, na versão heterodoxa, hoje usual, em panela de pressão. Pode levar camarão ou peixe, sardinha em lata, azeite, cebola, tomate, pimentão, camarão, ovo cozido, azeitona, ervilha, salsinha, sal e pimenta-do-reino. Algumas receitas incorporam frango desfiado.

Segundo Ocílio Ferraz (1938-2016), escritor, sociólogo e especialista nos costumes e tradições do Vale do Paraíba, em São Paulo, além de ardoroso defensor da autenticidade da gastronomia caipira, originalmente o cuscuz-paulista incorporava apenas farinha, sal e pimenta-do-reino. Depois, recebeu cebola, alho, as pimentas cambari ou dedo-de-moça e foi colorido com urucum. A sardinha em lata entrou para dar sabor e status: importada de Portugal, era ingrediente refinado usado nas casas das famílias abonadas.

O grande fotógrafo e exímio cozinheiro Pedro Martinelli, que aprendeu a fazer cuscuz-paulista com a mãe e o prepara em casa quase toda semana, critica esse ingrediente: “O cuscuz de sardinha em lata não é paulista. Digo o mesmo para o que leva legumes e frango. Pode ser muito bom. Mas não é cuscuz-paulista”. As famílias pouco endinheiradas continuaram a utilizar lambari e manjuba, bagre, traíra ou acará, enfim, peixes do rio que atravessa o Vale do Paraíba, onde alguns sustentam que o prato foi adaptado, como veremos adiante. Também passaram a incorporar carne de porco salgada e carne-seca bovina.

Prepara-se um segundo tipo de cuscuz no Brasil: o nordestino, à base de fubá de milho flocado, ensopado no leite de coco, com ou sem açúcar, tornando-se às vezes a sobremesa deliciosa oferecida no remoto interior pela tia viúva ou solteirona, ao sobrinho ou afilhado que a visita para receber a bênção. A receita ainda pode ser elaborada apenas com fubá de milho flocado, água e sal a gosto, embora alguns nordestinos não resistam à tentação de acrescentar-lhe um pouco de coco ralado. Substitui a farofa convencional em diversos pratos e acompanha bem as carnes de sol ou de bode. Outros já preparam o cuscuz do Nordeste recheado com carne, frango ou queijo. Enfim, há ótimos cuscuzes em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás.

Todos descendem do prato homônimo, também chamado de kuz-kuz e alcuzcus, com invenção atribuída aos berberes, povo originário da África Setentrional, distinto do árabe, mas desde o século XII convertido ao islamismo, a religião do profeta Maomé. Habitava a mesma região na qual se encontram atualmente o Marrocos, a Argélia e a Tunísia. Sua cultura continua viva nesses países. “Há (na África Setentrional cuscuzes) de várias espécies: sobremesa ou gulodice, com mel de abelhas ou açúcar, com carnes, peixes, crustáceos, legumes, tâmaras, uva passa, valendo uma refeição completa, ou ainda molhado no leite de vaca, cabra, ovelha, camela, comida improvisada de viagem, um farnel abreviado e substancial”, registrou o historiador e antropólogo brasileiro da Luís da Câmara Cascudo, no verbete dedicado ao cuscuz do “Dicionário do Folclore Brasileiro” (Global Editora, São Paulo, Sp, 2001).

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Os berberes acompanharam os muçulmanos na invasão da Península Ibérica, iniciada em 711, que logo abrangeu a maior parte daquele território, só encerrada com sua expulsão em 1492. Ali introduziram o cuscuz, atualmente chamado de marroquino, uma espécie de farofa da sêmola ou farinha granulada de trigo. Desdobram-no em uma infinidade de receitas. No Marrocos, cada família prepara a sua, que passa de mãe para filha. Existe inclusive uma salada de cuscuz e uma sobremesa que combina a farinha de trigo com uva-passa, amêndoa, canela e açúcar. Atualmente, é prato nacional de todo o Magrebe ou Magreb, região africana que inclui Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Saara Ocidental, Mauritânia, Mali, Níger e Chade.

Os portugueses já conheciam o prato quando descobriram o Brasil e o trouxeram para o nosso país. Gil Vicente, primeiro grande dramaturgo lusitano, além de poeta de renome, citou-o na peça “O Juiz da Beira”, ou “Farsa do Juiz da Beira”, de 1525. Mas foi no Brasil que a receita virou bolo salgado. Além disso, mudou o ingrediente principal. Trocou a farinha de trigo, na época cara e difícil de ser encontrada por aqui, pela de milho, farta e barata; e, na variante paulista, entrou a de mandioca. Entretanto, “O Cozinheiro Imperial”, primeiro livro brasileiro de cozinha, traz paradoxalmente uma receita de cuscuz com farinha de trigo na edição de 1874. Temos no Brasil ainda o prato só com mandioca, inhame ou arroz, menos prestigiados.

Uma teoria sustenta que o cuscuz-paulista nasceu espontaneamente dentro do farnel – o saco para provisões que os bandeirantes levavam em um grande guardanapo nas diversas expedições empreendidas na época do Brasil Colonial. Desamarrado o pano, tudo estava misturado e convertido no que seria o cuscuz-paulista. “Portanto, surgiu como comida de tropa”, acrescenta Pedro Martinelli, adepto da versão. “Os bandeirantes matavam pacas, veados, porcos do mato, jacus e antas e nunca carregavam latas de sardinha, legumes ou frangos”.

Outros acham essa teoria romântica e sustentam que a receita se desenvolveu na cozinha vale-paraibana, com a substituição dos ingredientes da fórmula berbere. Nesse caso, teria sido adaptada na mesorregião compreendida pelos atuais municípios de Caçapava, Jambeiro, Cunha, São José dos Campos, Campos do Jordão, Caraguatatuba, Guaratinguetá, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga, Bananal e Queluz. O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, viajando entre 1816 e 1822 pelo Vale do Paraíba, notou serem tão fortes as culturas do milho e da mandioca na região que ajudavam a criar a identidade da cozinha brasileira.

Até pouco tempo, as cidades vale-paraibanas de Caçapava, Jambeiro e Cunha fabricavam o antigo cuscuzeiro de barro. Come-se o cuscuz-paulista como prato principal ou acompanhamento, às refeições ou fora de hora. Na tradição do Vale do Paraíba – a bacia hidrográfica que se estende em parte de São Paulo, ao longo de quase todo o comprimento do estado do Rio de Janeiro e parte de Minas Gerais – é indispensável nos quitutes das festas juninas que acabaram de ser comemoradas, sobretudo na de São João.

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Nos países islâmicos se prepara e consome o cuscuz por prazer e necessidade alimentar, mas o prato também tem um lado religioso. É oferecido aos pobres como esmola, o gesto de desprendimento que muitas religiões acreditam liberar o caminho do céu para o doador. Os povos islâmicos também saboreiam cuscuz no jantar de sexta-feira, seu dia de oração coletiva, e em ocasiões especiais, como na festa do regresso dos peregrinos que foram até Meca, a cidade da Arábia Saudita na qual, no século VII, o profeta Maomé proclamou sua religião. O “Alcorão” ou “Corão”, livro sagrado do Islã, manda comer o cuscuz com os três dedos da mão direita. Por que isso? Acredita que o diabo come com um, Maomé com dois e os gulosos, pela voracidade incontrolável, com os cinco dedos.

No Brasil, o cuscuz do Nordeste é alimento litúrgico do candomblé, uma oferenda aos Ibejis, divindades gêmeas da vida e do nascimento, da pureza, leveza, alegria e doçura, sincretizada com os santos católicos Cosme e Damião. Mas não se pode falar em cuscuz e cuscuzeiro para os orixás Obaluayiê e Omulu, e sim em bolo branco, pois constitui seu kijila ou quizila, ou seja, o que lhes causa repugnância ou antipatia por qualquer motivo. Em compensação, os Ibejis adoram cuscuz, além de caruru, cocada, papas, frutas doces e doces.

Oni Beijada!

· É a saudação feita aos Ibejis nos terreiros de do candomblé.

CUSCUZ DE CAMARÃO

RENDE 8 PORÇÕES

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INGREDIENTES

CUSCUZ

.50g de manteiga extra sem sal

.2 colheres (sopa) de azeite extravirgem de oliva

.2 colheres (sopa) de cebola picada

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.2 dentes de alho picados

.1/4 de uma pimenta – dedo-de-moça picada

.1 colher (sopa) de extrato de tomate

.1 colher (café) de urucum

.200ml de caldo de peixe suave

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.500ml de farinha de milho em flocos

.1 colher (sopa) de farinha de mandioca fina

.6 camarões–rosa cortados em pedaços médios

. Sal e pimenta-do-reino branca moída na hora a gosto

FINALIZAÇÃO

.6 camarões-rosa inteiros cozidos no vapor

.50g de ervilhas frescas cozidas no vapor

.3 filés de sardinha portuguesa em lata cortadas ao meio

.2 ovos cozidos cortados ao meio

.100g de palmito pupunha em pedaços , dourados levemente em uma frigideira com duas colheres (sopa) de manteiga

.Manteiga para untar a fôrma

PREPARO

CUSCUZ

1.Em uma panela, aqueça a manteiga com o azeite de oliva, junte a cebola, o alho, a pimenta e refogue.

2.Acrescente o extrato de tomate, o urucum, o caldo de peixe, as farinhas e vá misturando vigorosamente. Quase no final, incorpore a essa massa os camarões em pedaços, mexa delicadamente e reserve.

FINALIZAÇÃO

3. Unte com manteiga uma fôrma (terrine) e coloque cuidadosamente nas paredes e no fundo da fôrma os camarões inteiros, as ervilhas, as sardinhas, os ovos e o palmito.

4.Distribua delicadamente a massa do cuscuz dentro da fôrma e leve-a ao forno médio, preaquecido a 180°C, em banho-maria, por cerca de 20 minutos. Deixe esfriar e desenforme com cuidado.

Receita do chef Maurício Ganzarolli, de São Paulo/SP

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