A árvore pagã do Natal
O pinheiro assimilado pelos cristãos e o Christimas pudding que os ingleses comem na festa
Os cristãos demoraram a aceitar que o Natal fosse comemorado com uma árvore fartamente decorada, como acontece hoje. O motivo da resistência era tratar-se de um símbolo pagão. Estavam certos. Às vésperas do solstício de inverno – quando o sol atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do equador – os povos pagãos que viviam no nordeste da Europa, ou seja, na região onde se encontram os Países Bálticos, cumpriam um ritual.
Iam aos bosques, cortavam abetos (pinheiros do gênero Abies) e os levavam inteiros para suas casas, para decorá-los com ovos pintados, pequenos doces, guirlandas, velas e lamparinas. Dessa maneira agradeciam ao deus da colheita as boas safras do ano que terminava. O pinheiro representava para aqueles pagãos a vida. Enraizando-se no solo e se projetando verticalmente, fazia a ligação simbólica entre a terra e o céu. A festa acontecia em torno dos dias 22 e 23 de dezembro.
A Igreja Católica tentou abolir o culto da árvore. Como não obteve sucesso e ela até se espalhasse por outras regiões, o papa Júlio I (337-352) decidiu fixar a data do nascimento de Jesus no período do solstício, ou seja, a 25 de dezembro. Desse modo, “cristianizou” a celebração pagã. São Mateus diz que Jesus nasceu em “Belém de Judá, no tempo do rei Herodes” (Mt 2,1 cfr. 2, 5.6.8.16); São Lucas fala o mesmo (Lc 2, 4.15).
Mas nenhum dos 27 livros do “Novo Testamento” se refere à data em que o fundador do cristianismo veio ao mundo. São Lucas conta apenas que pastores cuidavam dos seus rebanhos nos arredores de Belém quando enxergaram um anjo. O mensageiro espiritual anunciou uma boa nova para todos os povos: “É que hoje vos nasceu na cidade de Davi um Salvador, que é Cristo Senhor. Eis para vós o sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada numa manjedoura” (Lc 2:8-20).
Como dezembro é um mês frio na região de Belém, sobretudo à noite, exegetas bíblicos acreditam que Jesus nasceu em outra estação do ano, com temperatura mais amena – a primavera, por exemplo. Só assim um recém nascido poderia ficar deitado em uma manjedoura sem enregelar.
A festa da árvore foi acolhida com entusiasmo na Alemanha. Ali, no século 7, movido pela mesma sabedoria do papa Júlio I, São Bonifácio, Apóstolo dos Germanos,batizou a tradição. Ressaltou em pregações o formato triangular do pinheiro e o propôs como símbolo das três pessoas da Santíssima Trindade – Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
Outros estudiosos afirmaram que os ovos pintados, os pequenos doces e as guirlandas sobre os galhos da árvore representam a vida espiritual. Já as velas e lamparinas evocariam o amor oferecido por aquele que, para os cristãos, é o redentor do gênero humano. No Evangelho de São João, Jesus afirmou: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas” (8:12).
Uma lenda afirma que Martinho Lutero (1483-1546), figura central da Reforma Protestante, deu upgrade para a árvore de Natal. Caminhando nas vésperas da comempração em uma floresta de pinheiros, ele se encantou com a luz das estrelas que atravessava os galhos cobertos de neve. Então, cortou um deles e o levou para casa. Decorou-o com velas e chamou os seis filhos com Catarina de Bora para compartilharem sua resplandescência.
Não por acaso, um príncipe alemão virou patrono da tradição na Inglaterra, em 1840, quando casou com a rainha Vitória, do Reino Unido. Referimo-nos a Alberto de Saxe-Coburgo-Gota, alemão da Baviera. A árvore já existia no país desde o final do século anterior. Mas não conquistara tantos adeptos.
A rainha Vitória e o príncipe-consorte Alberto passavam as festas de fim de ano na ilha de Wight, ao sul da Inglaterra. O marido da soberana fazia questão de supervisionar pessoalmente a decoração da árvore. Os presentes deviam ficar ordenados embaixo, por exemplo. Uma imagem da cena na qual o casal aparece com os filhos em volta de um pinheiro festivo, publicada em 1848 pelo jornal “The Illustrated London News”, estimulou os súditos.
Tudo o que a rainha Vitória fazia virava moda. Os súditos passaram a imitá-la, montando árvores de Natal em casa e o costume se espalhou não só pela Inglaterra, mas também pelos países de colonização britânica, especialmente nos Estados Unidos. Dali para o mundo foi só uma questão de tempo.
Por coincidência, a árvore natalina foi introduzida em Portugal por outro nobre germânico, Fernando de Saxe-Coburgo-Gota, que casou com D. Maria II, filha do nosso D. Pedro I, nascida no Rio de Janeiro e depois soberana de Portugal.
A rainha Vitória e o príncipe-consorte Alberto comemoravam animadamente o Natal com a família. Nunca faltava uma mesa opulenta e generosa. No centro, pontificava o Christmas pudding, um bolo cuja receita mandava usar um ingrediente raro nos doces: a gordura do rim bovino. Ultimamente, porém, substituíram-na por manteiga.
O Christmas pudding leva uma profusão de ingredientes de perfume e sabor marcantes: uva passa, farinha de trigo, miolo de pão, ovos, raspas de casca de limão e laranja, polpa de maçã, manteiga, açúcar mascavo, canela em pó, noz-moscada, gengibre, cravo-da-índia, amêndoas, frutas cristalizadas e cerveja escura. Ufa!
Lentamente assado em banho-maria na boca do fogão, em fôrma côncava e funda, é flambado à mesa com conhaque ou, então, rum da América Central. O bolo pirotécnico dos ingleses foi celebrizado nos “Contos de Natal”, de Charles Dickens, o mais popular romancista da era vitoriana: “Oh!, aquele vapor do Christmas pudding! Que aroma luxuriante envolve o bolo!” Feliz Natal.
CHRISTMAS PUDDING * – RENDE 8-10 PORÇÕES
INGREDIENTES
- 200g de uvas passas pretas sem semente
- 150g de uvas passas brancas sem semente
- 100g de farinha de trigo
- 120g de miolo de pão ou de pão de fôrma sem casca, picado
- 3 ovos
- Raspas da casca de um limão (rale na hora)
- Raspas da casca de uma laranja (rale na hora)
- A polpa de 1 maçã pequena (rale na hora)
- 120g de manteiga amolecida em temperatura ambiente
- 250g de açúcar mascavo
- 1 colher (chá) de canela em pó
- 1/4 de colher (café) de noz-moscadaralada
- 1/4 de colher (café) de gengibre em pó
- 1/4 de colher (café) de cravo-da-índia em pó
- 30g de amêndoas batidas no mixer até obter um pó
- 30g de amêndoas trituradas grosseiramente
- 50g de frutas cristalizadas (use de preferência casquinhas de laranja)
- 6 colheres (sopa) de cerveja escura
- Conhaque o suficiente para flambar
- Manteiga para untar a fôrma
PREPARO
- Hidrate as uvas passas em uma tigela com água.
- Em um recipiente grande, misture bem a farinha de trigo, o pão, os ovos, as cascas raladas do limão, da laranja e a polpa ralada da maçã.
- Coloque essa mistura em uma fôrma (ou tigela) untada com manteiga, funda, sem furo no meio e preferencialmente côncava.
- Cubra com papel-manteiga, em seguida com papel-alumínio e prenda bem o alumínio na borda da fôrma para que não entre água durante o cozimento.
- Leve a fôrma ao fogo, em banho-maria, na boca do fogão, com a panela tampada, por cerca de 8 horas. No momento de servir, desenforme o bolo, banhe-o com um pouco de conhaque e flambe-o na própria mesa.
DICA
O bolo pode ser preparado com antecedência de até dez dias. Para servir, reaqueça-o na própria fôrma do cozimento, em banho-maria, durante 1 hora. Desenforme-o e flambe-o, então,com o conhaque.
*Receita preparada pelo chef Luiz Cintra, de São Paulo, SP