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Augusto Nunes

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“Sair da cela de Lula” e outras notas

O ex-presidente passou a ser problema de si próprio. Em vez de celebrar isso e cuidar de uma agenda política, o Brasil fica na cela do jeca

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 20h24 - Publicado em 5 jul 2018, 07h14

Valentina de Botas

Levantaram-se “ahs” e “ohs” e acirrou-se a indignação complexada porque ─ meudeusdocéuqueabsurdo ─ o PT e Lula não queriam o ministro Alexandre de Moraes como relator de mais uma petição da defesa do ex-presidente. Muitos se espantaram e ficaram nos cascos porque ondeéquejáseviu um réu pretender escolher juiz, tribunal, sentença. Onde? Aqui mesmo, senhores. Neste Brasil, em que certa dona mídia inflama tudo em volta para dizer o que faz diariamente um cadáver político de moral putrefata, cujos miasmas só servem de suprimento de ar a radicalóides ─ anti e pró-Lula ─ que precisam dessa inflamação adensada para conseguir votos. Neste Brasil, em que pesquisas o apresentam como candidato e as que o excluem registram “num cenário sem Lula”, o que remete de imediato a um fictício, mas contrabandeado entre os fatos, cenário com Lula. Num país em que o juiz que condenou o delinquente afirmou, no despacho da sentença, que a prisão preventiva era cabível, mas o deixaria solto porque “pode ser traumática a prisão de um ex-presidente” e, quando decidiu prendê-lo finalmente, enviou-lhe um convite-prisão pedindo encarecidamente que o meliante incurável fizesse a gentileza-se-não-fosse-incômodo de se encaminhar à delegacia mais próxima; mas se não quisesse, poderia montar um picadeiro no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, pois a Justiça esperaria. Quantos condenados são tratados assim?

Neste Brasil, em que pessoas e coisas bordam com capricho de vó no enxoval do neto seus nomes no manto autoritário da intocabilidade, qualquer crítica honesta e pertinente é vista como ofensa pessoal, crime inafiançável, falta de modos, mau gosto, além de ameaçar o futuro limpinho da nação. Neste Brasil, em que parecia que o impeachment de Dilma Rousseff e a posse de Temer devolveriam algum poder à sociedade, quando parecia que amadureceríamos, o tal manto não foi rasgado, apenas se deslocou para a Lava Jato que, também pelo tamanho, está sujeita a erros e reconhecê-los serviria para aprimorá-la, não para extingui-la; deslocou-se também para candidatos cujo moralismo oco é álibi para a bisonhice. Porque vicejaram à sombra de tal deformidade, Lula e o PT acham que podem fazer o que querem e o país, na sua lavoura arcaica de intocáveis, permanece infantilizado à mercê do líder perfeito que nos revelará o Absoluto, na forma do bom, belo e justo nem que seja na porrada. Depois do caçador de marajás, tivemos o caçador “dazelite” e logo teremos o caçador de corruptos, porque a promessa de amanhãs sorridentes do moralismo oco pariu um mito para continuar a linhagem de predadores do futuro. Assim, nascerá obsoleto o Brasil novo, já que o parto é feito por entes para os quais o maior problema do Brasil velho é a corrupção, e não o Estado hipertrofiado que o engendra. Nascerá decrépito já, embalado pela pior das nossas mazelas, a da manutenção de privilégios, uma vez que as forças parteiras combatem reformas com energia ainda maior com que combatem a corrução.

As trombetas do ultraje retumbaram também porque a defesa do jeca impetrou quase 80 recursos na Justiça disponíveis para quem pode pagar. Ora, é direito de todo cidadão recorrer à Justiça quantas vezes a lei permitir e a sociedade brasileira gasta 1,8% do PIB com o Judiciário (a média na Europa é de 0,4%, segundo estudo do professor e pesquisador Luciano Das Ros), incluindo a Defensoria Pública que deveria efetivar o direito dos pobres a essa Justiça-dos-ricos. Novamente, os pobres são lembrados não porque quem se lembra esteja mesmo preocupado com eles, mas porque servem à disputa política entre os ministros do STF e entre este e o MPF/Lava Jato. A consciência social intermitente dos heróis de suas próprias causas devolve a pobrada para o fundo das galés quando as sessões do STF terminam, as câmaras da TV Justiça se desligam e os tuiteiros do MPF que abrem mão só dos privilégios alheios vão para casa. Os que bradam contra os-direitos-só-acessíveis-aos-ricos-e-poderosos não lutam para estender esses direitos aos pobres, mas para impor a Justiça em que acreditam; nela a bandidagem menos favorecida é o que os pobres são para o PT: álibi moral. Ou alguém viu, antes da discussão da prisão em segunda instância ou depois de cada sessão a respeito algum integrante do MPF ou o herói da direita tabajara, o ministro Roberto Barroso, entoar algum discurso pungente, prorromper em lágrimas ou tomar alguma atitude prática a respeito da injustiça dentro da Justiça?

Exemplo do uso demagógico e oportunista dos pobres por parte dos Robin Hood perturbados que tiram direitos dos ricos para não dar aos pobres foi a declaração do procurador Deltan Dallagnol quando, na efetivação de algumas ações fundamentais da intervenção federal no Rio de Janeiro, o ministro Raul Jungmann solicitou mandado de busca e apreensão coletivo para favelas da cidade. O procurador disse que “se cabe (o mandado coletivo) na favela onde a maioria é honesta, cabe no Congresso”. Dallagnol sabe que cabe na primeira porque, na confusão de becos labirínticos, muitos barracos não têm endereço determinado; já no Congresso, cada parlamentar tem seu gabinete delimitado e localizável. Basta solicitar um mandado individual, se for o caso. O instrumento foi usado pela então presidente companheira por ocasião da Copa de 2014, na tentativa de reforçar a segurança ou diminuir a insegurança. O mandado foi expedido e cumprido sob o silêncio do procurador que não se lembrou “da maioria honesta”.

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A tentativa da defesa de Lula em escolher o juiz e as centenas de recursos que ainda impetrará não importam, discutir isso é afastar o país de si, é confiná-lo a um debate que exclui a si mesmo: Lula passou a ser problema de Lula, em vez de celebrar isso e cuidar de uma agenda política, o Brasil fica na cela do jeca. Deixemos o delinquente lá; sairá, talvez, mas voltará e sairá novamente, e o país não merece ficar nesse calabouço simbólico em que se agasta por qualquer movimento da súcia. Vamos estender, ao sol da varanda, nossos sonhos de país civilizado, os mais loucos e secretos que escondemos como a noiva esconde do noivo o vestido de casamento e ousemos trocar ou, ao menos, equilibrar a nosso favor a pauta Lula-delegacia-bandidagem-indignação. Como? Não sei, mas vem comigo que tenho uma sugestão: o questionamento relevante, que escapa do enxovalhamento vulgar e histérico e da demagogia oportunista e põe o Brasil em contato consigo para exercer um protagonismo consciente e ativo, é, por exemplo, quanto à diferença do acesso à Justiça para pobres e ricos, em vez de discutirmos o caudilho que nos desgraçou ou assistir como torcida à farsa dos defensores ocasionais da bandidagem pobre, iluminemos as deficiências da Defensoria Pública e trabalhemos para civilizá-la; quanto à centena de petições da defesa de Lula, em vez de sustinhos e gritinhos, investiguemos quem e de que modo a nababesca defesa de Lula está sendo paga. Sejamos nosso assunto, nosso tema, cuidemos de nós.

 

Autocrítica, só que não

“Problema do STF é juiz que acha que o poder existe para proteger amigos”, afirmou o ministro Roberto Barroso, ombudsman do Tribunal. Barroso, aquele um que, no STF, usou o poder para ressuscitar os embargos infringentes e livrar o amigo José Dirceu da acusação de quadrilheiro, validou sem discurso anti-impunidade o indulto natalino da amiga Dima a José Dirceu, fraudou o regimento da Câmara para evitar o impeachment da companheira, lutou pelo perdão a Joesley, amigo dos amigos. Faz o que acusa os outros de fazerem. Enquanto Dilma governava, não deu uma mísera declaração contra a corrupção. A direita tabajara está apaixonada por essa flor do mal petismo da desinstitucionalização. Desoladores tempos.

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