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Augusto Nunes

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Fiat lux para indulto e ministro

Os ministros do STF não são patrões da sociedade. Também eles cumprem ordens emanadas em última instância do povo

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 4 jun 2024, 16h13 - Publicado em 2 dez 2018, 11h24

Deonísio da Silva

Indulto não pode ser insulto. Ministros não podem ser vice-reis ou mandões.

O que é ministro? O que é indulto? De onde vêm estas palavras? Indulto, do Latim indultus, tem o mesmo étimo de indulgência, perdão das condenações, por vezes comercializado, ontem como hoje. E ministro, do Latim minister, designa aquele que serve, não apenas aquele que manda.

Todavia não se tem para o STF, cujos ministros foram antes aprovados pelo Legislativo, o recurso ad nutum (a um aceno da cabeça), aplicado no Executivo, como prescreve a Constituição: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: I – nomear e exonerar os Ministros de Estado”.

Às vezes, a etimologia ajuda-nos a compreender, não apenas o que as palavras significaram na origem, mas também o que elas já não significam, como Jorge Luís Borges entendeu esta disciplina:

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“Os implacáveis detratores da etimologia argumentam que a origem das palavras não ensina o que elas agora significam; os defensores podem replicar que ensina, sempre, o que elas agora não significam. Ensina, verbi gratia, que os pontífices não são construtores de pontes; que as miniaturas não estão pintadas com mínio”.

O celebérrimo escritor argentino, talvez a mais notada omissão do Prêmio Nobel de Literatura, acrescentou ainda neste belo parágrafo sobre o berço das palavras que a etimologia ensina também que “um candidato pode não ter sido cândido”, “as rubricas não são vermelhas como o rubor” e que “os germanófilos não são devotos da Alemanha”. Em resumo, a etimologia ajuda-nos a compreender o verdadeiro significado das palavras a partir do significado que tiveram na origem.

Indulto aos que não cumpriram as leis não pode ser insulto aos que as cumprem. Muda só uma letra, mas muda tudo.

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O direito brasileiro é romano, sua aplicação não pode ter a singularidade solitária da jabuticaba. O indulto com o significado de clemência e de perdão é largamente praticado em todo o mundo. Este instrumento jurídico tem razões humanitárias, éticas, com regras claras, e todos creem que o ato de diminuir, suavizar ou anular as penas de presidiários leva em conta o bem-estar da sociedade em que vivem aqueles que não precisam ser indultados porque, ao contrário dos condenados, cumpriram as leis.

O indulto que o STF ameaça estender a criminosos contumazes que desviam verbas, ainda mais quando de educação, de merenda, de hospitais e de remédios, surrupiadas da população por artimanhas nefandas, algumas em práticas multidecenais, ofende o brasileiro médio.

Em célebre sentença dos anos 70, o então Bento da Costa Fontoura, ao emitir sentença para manter a proibição do livro Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, ordenada pelo então ministro da Justiça Armando Falcão, assim definiu o brasileiro médio:

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“O brasileiro médio não é o intelectual nem o analfabeto. Não é o intelectual da Av. Vieira Souto nem o do sertão do Piauí. O brasileiro médio tem instrução média, capaz de crer que o Cravo bem temperado é segredo de culinária e que F. Dostoiévski era reserva da seleção soviética”.

Talvez este conceito subalterno daquele antigo juiz seja esposado também por ministros do STF que porventura se esqueçam do povo a que servem em suas argumentações, muitas delas um verdadeiro lero-lero sobre leis e normas, sem objetividade alguma, cuja ostentação tem estado à vista de todos nas transmissões ao vivo de suas sessões.

Se pensassem no povo a que servem teriam, por exemplo, lutado tanto para tirar do bolso deste povo mais dinheiro para sua remuneração, justamente agora, quando o Brasil atravessa uma de suas maiores crises?

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Os étimos de palavras-chaves do meio jurídico podem servir de ajuda aos leitores. Então lembremos também que a palavra ministro veio remotamente da raiz indo-europeia *men-, exprimindo a ideia de menor, pequeno, passou pelo Latim minister e designou originalmente o ajudante do sacerdote no altar, vindo muito mais tarde a indicar também o servidor encarregado de executar decisões de outros nos remotos tempos em que poderosos se serviam de diversas teologias para justificar certos atos incompreensíveis e deploráveis.

O ministro é sempre um servidor, sentido que mantém na expressão ministro da eucaristia. Os ministros do STF não são patrões da sociedade. Também eles cumprem ordens emanadas em última instância do povo, uma vez que as leis em vigor foram aprovadas e sancionadas por eleitos pelo povo, a legítima fonte de poder.

Desta vez, o indulto pode receber o Fiat lux do ministro Luiz Fux. Ele pediu vistas do indulto. Certamente para depois esclarecer melhor as minúcias, as armadilhas ali embutidas, já percebidas pelo xará, seu colega Luís Roberto Barroso.

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A sociedade, apreensiva, aguarda a decisão de Suas Excelências. Afinal sentença tem o mesmo étimo do verbo sentir e cada ministro está sentindo a seu modo o drama social que sua decisão agravará ou suavizará.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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