Entre todos os países que adotaram o voto eletrônico, o Brasil é o único que ainda utiliza urnas que podem ser manipuladas
Publicado na Coluna do Ricardo Setti WALTER DEL PICCHIA* Um estudo publicado no site do voto eletrônico pelo engenheiro Amilcar Brunazo Filho, coordenador do Fórum do voto eletrônico e um dos maiores especialistas em segurança de dados, demonstra cabalmente que nossas urnas eletrônicas, endeusadas como a oitava maravilha do mundo, na realidade estão tecnicamente ultrapassadas pelas […]
Publicado na Coluna do Ricardo Setti
WALTER DEL PICCHIA*
Um estudo publicado no site do voto eletrônico pelo engenheiro Amilcar Brunazo Filho, coordenador do Fórum do voto eletrônico e um dos maiores especialistas em segurança de dados, demonstra cabalmente que nossas urnas eletrônicas, endeusadas como a oitava maravilha do mundo, na realidade estão tecnicamente ultrapassadas pelas utilizadas nos dez países onde se realizam eleições informatizadas (Modelos e Gerações das máquinas de votar – Janeiro/2014).
Ele descreve os três modelos conhecidos (DRE, VVPAT e E2E), denominando-os como de Primeira, Segunda e Terceira gerações. Estas denominações traduzem o fato de que os três modelos surgiram como evolução, um após o outro, para resolver algum problema do modelo anterior.
Em todo o mundo onde se usa voto eletrônico, excluindo-se o Brasil, modelos de 1ª geração já foram abandonados, devido à sua inerente falta de confiabilidade e absoluta dependência do software (ou seja, modificações intencionais ou erros não detectados no software poderiam causar erros não detectados nos resultados da votação).
A 1ª Geração – DRE
Nas urnas de 1ª geração, conhecidas por DRE (Direct Recording Electronic voting machine — máquina de gravação eletrônica direta do voto), os votos são gravados apenas eletronicamente, não oferecendo possibilidade de auditoria por outros meios. Deste modo, a confiabilidade do resultado publicado fica totalmente dependente da confiabilidade do software instalado no equipamento.
Máquinas DRE foram usadas em eleições oficiais em 1991 na Holanda, em 1992 na Índia e desde 1996 no Brasil. O modelo brasileiro chegou também a ser usado em alguns países latino americanos entre 2002 a 2006.
A falta de confiabilidade do modelo DRE (utilizado no Brasil) fez com que, a partir de 2004, este modelo fosse substituído por outros mais evoluídos e confiáveis. De 2004 a 2012, a Venezuela, a Holanda, a Alemanha, os Estados Unidos, o Canadá, a Rússia, a Bélgica, a Argentina, o México e o Paraguai abandonaram o modelo DRE de 1ª Geração.
Em 2014, a Índia e o Equador adotarem modelos mais avançados, de maneira que restou apenas o Brasil ainda usando o modelo DRE de 1ª Geração em todo o mundo.
A 2ª Geração – IVVR ou VVPAT
A 2ª Geração foi proposta formalmente em 2000 (tese de doutorado da Ph.D Rebecca Mercury, disponível na internet). Na tese, foi proposta a possibilidade de auditoria contábil da apuração por meio de uma segunda via de registro do voto, além do registro eletrônico usual.
Este novo registro deveria ser gravado em meio independente que não pudesse ser modificado pelo equipamento de votação e deveria poder ser visto e conferido pelo eleitor antes de completar sua votação. Ela propôs o nome “Voter Verifiable Paper Audit Trail” (Documento de Auditoria em Papel Conferível pelo Eleitor), ou VVPAT.
Posteriormente, a literatura técnica adotou também o nome “Independent Voter Verifiable Record” (Registro Independente Conferível pelo Eleitor), ou IVVR. No Brasil é comum ser chamado de “Voto Impresso Conferível pelo Eleitor”, ou VICE.
A principal característica de equipamentos com VVPAT (IVVR ou VICE) é que passam a ser independentes do software. O Registro Digital dos Votos (RDV) e a sua apuração eletrônica podem, neste caso, ser conferidos por ações contábeis de auditoria, independentes do desenvolvedor do software e do administrador do sistema.
Assim, em 2006, desenvolveu-se o Princípio da Independência do Software em Sistemas Eleitorais que, aos poucos, passou a ser exigido em todos os países que usam voto eletrônico, fora o Brasil. Ele diz: Um sistema eleitoral é independente do software se uma modificação ou erro não-detectado no seu software não pode causar uma modificação ou erro indetectável no resultado da apuração ou na inviolabilidade do voto.
No Brasil, em 2002, houve um teste com urnas com VICE, de 2ª Geração, o qual resultou em fracasso, decorrente da falta de planejamento e condução da experiência. Em seguida, em 2004, a Venezuela implantou equipamentos de 2ª Geração com VICE, com todo sucesso, demonstrando que a proposta é perfeitamente viável, ao contrário do que afirma o TSE no Brasil.
A partir de 2006, equipamentos de 2ª Geração, com voto impresso ou escaneado, passaram a substituir os equipamentos de 1ª Geração em todos os países.
A 3ª Geração – E2E
A partir de 2008, várias iniciativas começam a apresentar sistemas eleitorais independentes do software, que aprimoravam e/ou facilitavam os procedimentos de auditoria, tanto do registro do voto como de sua apuração e totalização.
Na Argentina (2010) foi apresentada uma cédula eleitoral com um chip de radio-frequência (RFID) embutido, onde, num só documento, estão presentes o registro digital e o registro impresso do voto. Esse documento é chamado de “Boleta de Voto Electrónico” (BVE) e propicia muita facilidade para os eleitores e para os fiscais de partido poderem conferir o registro do voto, a apuração e a transmissão dos resultados.
O sistema argentino está descrito no 2º Relatório CMind (ver no site do voto eletrônico), com várias tabelas comparativas do desempenho desse sistema de 3ª Geração em relação ao sistema brasileiro de 1ª Geração.
Em 2009, no município de Tacoma Park, nos EUA, foi testado o sistema Scantegrity II, onde o voto criptografado é impresso e entregue ao eleitor, que poderá verificar posteriormente o seu processamento, sem, no entanto, conseguir revelar o conteúdo do seu voto. Logo em seguida, em Israel, foi apresentado o Wombat, muito parecido ao Scantegrity.
As características comuns de todos esses sistemas de 3ª geração são a independência do software e a grande facilidade de auditoria independente, de ponta a ponta. Por esse motivo, os sistemas de 3ª geração são designados “End-to-End verifiability” ou, E2E.
No site do voto eletrônico, em sua página de abertura, está o link para o estudo aqui resumido. Nele há um mapa com a distribuição dos modelos usados no mundo. Estão divididos em:
— País que ainda usa sistema DRE de 1ª Geração (dependente do software): Brasil
— Países que testaram e abandonaram sistemas de 1ª Geração por falta de transparência ou falta de confiabilidade e, no momento, não estão usando votação eletrônica: Alemanha, Holanda, Irlanda, Inglaterra, Paraguai
— Países que abandonaram sistemas de 1ª Geração e passaram a usar sistemas VVPAT de 2ª Geração (independentes do software): Bélgica, Russia, Índia, EUA, Canadá, México, Venezuela, Peru, Equador, Argentina
— Países que adotaram ou estão testando sistemas E2E de 3ª Geração (independentes do software, com auditoria facilitada): EUA, Israel, Equador, Argentina
Na Página Principal do site do voto eletrônico encontra-se a Cartilha Básica do voto-e no Brasil, que resume críticas e propostas para as eleições informatizadas brasileiras.
(VALE A PENA LER. CLIQUE AQUI.)
* Professor aposentado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e participante do Fórum do Voto Eletrônico