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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Por que taxistas não param de agredir motoristas do Uber?

A notícia parece repetida: taxistas se uniram ontem para agredir motoristas e clientes (que, em teoria, também seriam potenciais clientes deles) do Uber. O local: em frente ao hotel Unique, em São Paulo, durante uma festa da revista Vogue, que começou 22h e seguiu noite adentro. No meio do tumulto, paravam qualquer carro preto – […]

Por Filipe Vilicic Atualizado em 30 jul 2020, 23h37 - Publicado em 29 jan 2016, 15h20

A notícia parece repetida: taxistas se uniram ontem para agredir motoristas e clientes (que, em teoria, também seriam potenciais clientes deles) do Uber. O local: em frente ao hotel Unique, em São Paulo, durante uma festa da revista Vogue, que começou 22h e seguiu noite adentro. No meio do tumulto, paravam qualquer carro preto – o que levou ao apedrejamento de um Fusion de um pai que levava a filha e as amigas para a balada. Entretanto, mais que ser uma repetição de fatos recentes, a saga de táxis vs Uber é uma repetição da história, em si. Como exemplo, uso uma revolta do início do século passado que, caso fosse vitoriosa, teria extinto taxistas e motoristas de Uber antes mesmo deles existirem.

Olhe como parece mais uma repetição: uma multidão furiosa cerca carros, não os deixa circular, condena os motoristas, os chamando de “demônios velozes”, e os categorizando como “ilegais”. Similar? Pois bem, é o que faziam, com qualquer carro, entre 1900 e 1930, nos Estados Unidos. Aliás, quer saber ainda mais do assunto? Recomendo a leitura do livro Fighting Traffic. E resumo abaixo como era feia a situação para os motoristas.

Na década de 20, opositores tratavam os automóveis como “uns instrumentos de morte vistos unanimemente como a maior ameaça presente à segurança pública”. Sim, maior que guerras (que ocorriam aos montes à época, vale lembrar), homicidas, o que for. Os manifestantes pediam regras rígidas para limitar os motoristas, como restringir mecanicamente a velocidade de veículos a 40 quilômetros por hora – duvido que os taxistas de hoje ficariam felizes em dirigir 40 km/h (em um período em que 50km/h, ou 70km/h, o que pegam os radares das Marginais de São Paulo, já é visto como lerdeza total). Dentre outras exigências, ainda se pedia por punições severas a quem não respeitasse leis de trânsito. Algo como: “passou o farol vermelho, vai ficar 10 anos na cadeia”.

Imagine ainda como, em paralelo, condutores de charretes se revoltavam com a concorrência do carro. Não só eles, como os pedestres, para os quais as ruas só deviam pertencer a quem anda, ou cavalga. Um conceito que vinha sendo construído por mais de 7 000 anos, desde as primeiras ruas e estradas. Mas que estava para ser demolido com a inovação do momento.

Não era fácil a vida para motoristas (de qualquer categoria) no início do século XX. Eles eram linchados, literalmente, não só se atropelassem pedestres, mas muitas vezes apenas por serem “motoristas”. Se um pedestre era atingido, mesmo se quem dirigia não fosse tido como culpado, erguiam-se monumentos em Detroit, Pittsburgh e outras cidades, em homenagem à vítima.

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Hoje, todos sabem que fim deu essa confusão. O carro foi incorporado, regrado, e hoje faz parte da vida – urbana, ou não. Mesmo que haja um recente movimento pelo menor uso dos automóveis, ninguém vislumbra um futuro (ao menos próximo) sem eles.

Voltemos ao presente e nos deparamos com outra novidade do transporte público que sofre resistência similar: os aplicativos de contratação de motoristas, a exemplo do Uber. Para colocar mais lenha na fogueira, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, afirmou nesta semana que os taxistas “vão desaparecer pela concorrência predatória”. Como bem colocou o colega Leandro Narloch, em seu blog, “e daí?”.

Sim, os taxistas vão desaparecer. Assim como foram extintos os cocheiros (em larga escala, ao menos). Agora, pense bem, de forma positiva: quem é taxista hoje certamente terá a oportunidade de achar uma profissão melhor, mais produtiva, que renda mais. Exemplo: motorista de Uber. Uma categoria, aliás, que também está com os dias contados. Logo nem precisaremos de motoristas, pois os carros se guiarão sozinhos.

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Parece distante? Recentemente testei o tão falado carro autônomo do Google. Para simplificar: ele já poderia ser um táxi, ou um veículo do Uber, em uma cidade de trânsito mais calmo (em comparação com São Paulo ou Rio de Janeiro), como a californiana São Francisco, onde realizei a prova. Motoristas de todo o planeta vão se revoltar quando a substituição definitiva ocorrer? Provável. Neste ponto, volto a citar Narloch: “e daí?”.

Convenhamos, inovações sempre sofreram resistência. Platão, por exemplo, criticava o advento da escrita (sim, isso mesmo), no século IV antes de Cristo, justificando que “esta invenção vai produzir esquecimento na consciência daqueles que aprenderem a usá-la, porque estes deixarão de treinar a memória”. Muitos, também, tentaram extinguir a Revolução Industrial, que depois criou o cenário para a existência de fábricas, carros, táxis e motoristas do Uber.

Hoje, não são só os taxistas que se deparam com um limite intransponível para a profissão. A chegada da internet, de smartphones, de aplicativos, obriga uma revisão – ou mesmo a extinção – de diversas carreiras. São afetados os mais variados setores, como o bancário (olha aí o que causa o bitcoin), o de computadores (a venda de PCs está em queda constante) e o da comunicação (pesquise por como Google e Facebook impactam essa indústria). Bater em quem participa de novas ondas de inovação em nada adianta. A novidade vem para ficar – mesmo que tenha de encarar uns olhos roxos.

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