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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Por que Preta Gil deu ‘parabéns’ no post da morte do filho de Lucas Lucco?

Há uma teoria, explicativa das dinâmicas das redes, que indica a resposta – e mostra como todos nós podemos cair na armadilha de cometer gafes similares

Por Filipe Vilicic Atualizado em 9 out 2019, 19h22 - Publicado em 9 out 2019, 17h25

No universo das notícias de fofocas – em muitas abordagens mais próximas a algo como uma publicidade às avessas, ao sensacionalismo puro, e menos ao cerne do jornalismo –, circulou-se o “escândalo” de que Preta Gil deu “parabéns” em um post de Instagram no qual Lucas Lucco anunciava a perda de seu bebê, devido a um aborto da modelo Lorena Carvalho. Esqueça agora o mexerico, o âmbito fútil daqueles que compartilharam a notícia pelo viés de ridicularizar a filha de Gilberto Gil. Proponho uma reflexão acerca da gafe cometida. Uma que busque compreender um dos maiores males da internet: a forma como a grandíssima maioria apenas esquia pelas informações dispostas em timelines, sem conseguir distinguir, interpretar, raciocinar, sobre o que vê.

“Interpretar, compreender, representar… tornaram-se atividades mentais arcaicas (…) em um mundo onde (…) o fracasso (…) passou a ser redutível a um erro de informação”, já escreveu o filósofo Henri-Pierre Jeudy. A constatação se dá acerca da estrutura das redes sociais, às quais nos submetemos diariamente. No contexto do on-line, a maioria se contenta em pular de uma imagem a outra, de uma recepção rápida de alguma mensagem superficial para outra. Em um resumo límpido: o povo só tem visto imagens, sem ler os textos que as explicam, sem interpretar, sem elaborar qualquer pensamento lógico… e mesmo assim comentam, curtem, compartilham.

Abordei o assunto em palestra recente que fiz, em abertura da 40ª Semana de Comunicação da tradicional Universidade de Taubaté (confira o vídeo no link). Tornou-se comum, por exemplo, ser abordado por leitores e espectadores que dizem saber muito mais de determinado assunto, julgando o conhecimento alheio, mas utilizando como base de “argumento” (valem as aspas!) textos e vídeos de autoria… da mesma pessoa que criticam. Há aqueles que, após assistir a um vídeo de 1 minuto no YouTube, acreditam saber mais do tema do que um especialista que estudou décadas o mesmíssimo tema.

É exemplar como astrofísicos têm sofrido com isso, hoje em dia, perante terraplanistas que creem ter conhecimento de toda a lógica do universo após se depararem com uma gravação que vende uma teoria conspiratória qualquer no Twitter. Ou ainda filósofos e sociólogos, questionados por fãs fanáticos de youtubers que gritam por aí, fingindo ter qualquer sabedoria desses campos, quando nem leram os livros mais básicos das áreas especificadas.

No caso de Preta Gil, ocorreu algo similar, apesar de ter se dado em menor dimensão. Ao tão-somente esquiar pelo solo virtual do Instagram, sem respirar para tentar ler, compreender, mergulhar minimamente nas informações com as quais se deparava, ela viu uma foto do casal famoso, exibindo um teste positivo de gravidez. Imediatamente impulsionada a comentar a imagem, ela deu seus “parabéns”, deduzindo que se tratava do anúncio de um bebê vindouro. Todavia, deixou de ler o curtíssimo texto descritivo da imagem, no qual se compartilhava a imensa dor da perda do filho.

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Preta Gil deve ser julgada publicamente por isso, ferindo sua reputação? Não. Render-se a atitude tão raivosa só equipara os revoltados – assim como as mídias que disseminaram rapidamente o deslize da cantora – àqueles que surfam pela internet sem nada refletir.

A melhor medida é ter empatia mínima para com a situação. Preta Gil fez o que a grandíssima maioria faz diariamente: não pensar enquanto explora as páginas de Instagram, Twitter, Facebook, YouTube. A culpa por isso seria dela? Não é bem assim. O ambiente das mídias sociais foi criado exatamente para viciar seus usuários em rolar páginas para baixo, curtir aleatoriamente, compartilhar algo, o que for, sem nem saber do que se trata esse algo.

Ao se render à lógica dos algoritmos, a sociedade tem se tornado escrava deles. Age-se de maneira maquinizada, robótica, automática. Em 2017 realizei um teste com o público para observar se, dentre aqueles que deparavam com uma chamada para um texto no Facebook, a maioria lia o conteúdo antes de curtir, comentar, compartilhar… ou não. Infelizmente, a parcela maior se encaixou no “ou não”. Estes passaram a tecer toda sorte de julgamento sobre a manchete em questão, sem nem conferir do que se tratava – no caso, um teste para notar se realmente tinham se interessado pelo assunto, antes de virtualmente gritar por aí acerca do tópico. Confira o teste em dois links: aqui e aqui.

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O maior perigo é, além das possíveis gafes cometidas, transformar as redes sociais em ambientes altamente tóxicos. Quando se sai do mundo da fofoca para embarcar em áreas como política e movimentos sociais (LGBTQ+; feministas; relacionados à identidade étnica etc.), revela-se de imediato a gravidade do problema.

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Isso quando as mesmas redes sociais poderiam ter exaltados seus lados bem positivos. Se o público refletisse antes de se viciar no fluxo de informações tal qual imposto pelos algoritmos, as vantagens dessas plataformas se destacariam. A exemplo da promoção da socialização, da aproximação de indivíduos de culturas distintas, da abertura de espaço para a manifestação dos antes excluídos pela sociedade, mas que passaram a ganhar voz em Facebook, YouTube, Instagram, Twitter, blogs. São muitas as glórias que advêm das novas tecnologias. Mas assim como, se não bem usadas, essas ferramentas perigam corroer as conquistas mais relevantes da civilização – de direitos humanos ao senso crítico ao deparar com as informações com as quais deparamos rotineiramente.

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