Por que, na era dos robôs, vale ser calmo e empático no trabalho
A inteligência artificial substituirá humanos em funções que necessitem de habilidades mecânicas. Entenda por que quem entende poesia se destacará no futuro
São cada vez mais frequentes as leituras – livros, reportagens, estudos científicos etc. – que apontam os prováveis efeitos da chegada dos robôs ao mercado de trabalho. Ontem (19) me deparei com uma de abordagem distinta, em texto que sem querer flertou com essa discussão (mesmo pouco trazendo sobre a mesma). Não se falavam das máquinas, diretamente, e de como estas deixarão humanos defasados, tornando-os descartáveis, em alguns tipos de empregos. O tema da pauta era, na verdade, de como a inteligência emocional é cada vez mais valiosa para as empresas. Após a leitura, todavia, veio-me o questionamento: por que será que agora estão cada vez mais valorizando habilidades como calma, empatia, autoconfiança?
Mesmo os levantamentos comedidos, como um realizado pela consultoria estadunidense McKinsey, indicam que em torno de 50% das profissões tidas como de atividades repetitivas – dirigir um carro; reparar um equipamento; fazer cálculos – serão automatizadas já na próxima década. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, 5 milhões de vagas serão extintas em dois anos, em todo o planeta, pois suas funções passarão a ser executadas por programas de inteligência artificial (IA). Nos cálculos mais assombrosos, como os da organização inglesa Nesta, que apoia projetos de inovação na Europa, estima-se em 70% a porcentagem de empregos que serão extintos nas décadas vindouras.
O que há de comum a todas as profissões sob risco? Tratam-se de atividades mecânicas, calculistas, que abrangem de engenharia de dados ao gerenciamento mais, digamos assim, mecanizado – calcado em metas meramente numéricas, no método de produção do fordismo etc. – de indivíduos. É frequente notar, nas listas de carreiras com os dias contados, de árbitros de futebol e motoristas a seleção de RH, contadores, alguns gêneros de advogados e engenheiros, e administradores cujas funções são a de cobrar e de checar resultados com base em dados brutos.
Uma pesquisa realizada em 2011 pela Universidade Stanford (EUA), com mais de 100 dos mais respeitados especialistas em IA, perguntou aos cientistas: “Quando a inteligência da máquina vai se equiparar à humana?” e ainda “Quando vai superá-la?”. Você poderia agora tirar o iPhone do bolso e falar: “Mas o meu celular já não é mais inteligente do que eu?”. Alguns podem achar incrível a constatação: não, não é.
Robôs hoje são bem melhores do que nós em contas matemáticas, em garimpar o Google atrás de uma informação, ou mesmo em guiar um carro pelas ruas de uma cidade, de forma segura. No entanto, eles não são criativos – não conseguem fundar do zero uma escola artística, por exemplo –, nem empáticos – não serviriam de bons líderes de movimentos sociais –, muito menos hábeis em deduzir (recordando aqui um mantra do falecido Steve Jobs, gênio fundador da Apple) o que as pessoas desejam, antes mesmo delas desejarem – ou seja, antes mesmos de existirem dados que revelem as vontades, as intenções, as ambições.
Mas voltemos às questões erguidas em Stanford. “Quando a inteligência da máquina vai se equiparar à humana?”. “Quando vai superá-la?”. Para os estudiosos seria de 10% a probabilidade de robôs se igualarem ao nosso intelecto já em 2024; de 50%, em 2050; e de 90%, até 2070. E de 10% a chance de nos ultrapassarem em dois anos após empatar conosco, e de 75% que isso ocorresse no prazo de trinta anos seguidos do primeiro feito. Já existe um jargão para definir essa futura máquina, teoricamente superior a nós em todos os aspectos cognitivos: seria a “superinteligência”.
Se robôs serão tão mais incríveis, o que sobra a nós fazermos? Em vez de apostarmos em nossas habilidades estritamente cognitivas, estritamente racionais – nisso, os seres de bytes e qubits serão mais avançados, afinal –, devíamos investir naquilo que nos faz demasiadamente humanos: as emoções. É aí que entra a onda de pesquisas, reportagens, livros etc. acerca das vantagens da chamada inteligência emocional (IE).
Na pauta citada no primeiro parágrafo deste texto, ressalta-se, de passagem, um estudo da Harvard Business Review. Procurei pela pesquisa completa e ela traz resultados interessantes. Por exemplo, empregados com maior IE são mais competentes em apresentar novas perspectivas para negócios e em achar soluções inovadoras. Entre as empresas que promovem iniciativas de incentivo à IE de funcionários – prática usual, por exemplo, dentre empreitadas do Vale do Silício californiano –, 64% dos executivos destas concluem que é justamente isso que faz essas organizações terem “decisões claras e capacidade de lidar com situações de risco”.
Empregados com maiores capacidades de IE também costumam fazer com que as empresas nas quais trabalham apresentem experiências acima de quatro vezes melhores com seus clientes; conquistem quase o quádruplo de lealdade de consumidores; dentre diversos outros benefícios em aspectos similares. Não só isso. As companhias que promovem esse tipo de capacitação, além de fomentar ambientes propícios ao desenvolvimento de líderes com IE – mais empáticos, calmos, sensíveis a demandas de empregados e de clientes, com maiores habilidades de percepção de mudanças drásticas no perfil das pessoas (incluindo no de consumidores)… –, normalmente ainda têm maior êxito em atrair e manter talentos. Isso porque a procura por “propósito de vida” aparece, pela primeira vez em todas a gerações, como o principal atrativo para os chamados millennials, os nascidos entre 1981 e 1996, e que hoje justamente representam o grupo que no mercado é tido como o dos talentos em ascensão. O desejo pelo “propósito de vida” está à frente até de interesses como o por “melhores recompensas” (em 2º lugar).
A valorização das habilidades emocionais, a IE, ascende justamente no momento em que as nossas capacidades cognitivas estão próximas de serem superadas, em praticamente todos os quesitos, pela inteligência artificial. A IA vai, sim, exterminar uma série de vagas de empregos. Haverá, sim, aumento de desemprego, em todo o planeta – a começar por em países ricos, nos quais as inovações se popularizam antes. Não à toa figuras visionárias como Mark Zuckerberg (manda-chuva do Facebook) e Elon Musk (Tesla, SpaceX, dentre outras) defendem a proposta da renda universal básica. Como suas próprias criações devem incapacitar pessoas no mercado de trabalho, acreditam que também suas próprias empresas deveriam se juntar para financiar iniciativas que busquem estabelecer um salário mínimo, de sobrevivência, àqueles que serão descartados de vez pela IA.
Por outro lado, nesse mundo de algoritmos que começa a se estabelecer, e só tende a crescer e dominar mais, aqueles com altos índices de IE tendem a se destacar. Isso não só quando se pensam em indivíduos, mas também em marcas. Empresas que compreendam como utilizar as máquinas por um lado, assim como as habilidades exclusivamente humanas, por outro, tendem a ter maiores chances de alcançar o sucesso em tal cenário. Isso porque algoritmos de gigantes como a Amazon, a Microsoft, a Google, já darão conta de regrar aspectos – aqui, em simplificação – exatos da vida. Caberá a humanos aprimorar capacidades como a de empatia para se atentar a tudo aquilo que os robôs dessas empresas não conseguirão fazer.
O que me faz recordar de Alphaville (1965), um clássico do cinema, de Jean-Luc Godard. A magnífica obra prevê uma realidade governada pela IA. Na ficção, de ar premonitório, o “pensar” robótico substituiu o pensamento humano em muitas áreas. Em uma cidade, Alphaville, chega-se ao ápice de um computador virar o ditador que orquestra toda a sociedade. É óbvio que o cenário só é bom para os seres robóticos, não os de carne e osso. Mas então o herói do filme descobre um método de colocar as máquinas em seus devidos lugares, retomando o poder das pessoas. Como? Ele recita poesia. Disso, a IA não entende.
É uma pena notar, no entanto, que boa parte dos indivíduos ainda insiste em apostar na mecanização dos indivíduos. O mesmo levantamento da Harvard Business Review revela que, nos EUA, somente 18% das empresas investem no conceito de IE. Todo o restante ainda não acordou para o assunto. Esses não repararam que o fordismo está ficando para trás. No futuro de muito breve, muitos apostam – em uma só aparente ironia, principalmente aqueles que desenvolvem as tecnologias que substituirão humanos, como as mentes por trás das inovações digitais do Vale do Silício – que só sobreviverão aqueles que compreenderem essas novas ideias. É, por exemplo, a conclusão de todos os levantamentos realizados pela já citada organização inglesa Nesta.
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Ou seja, recorrendo à metáfora de Alphaville, o futuro será brilhante para aqueles que recitam e entendem poesia. Mas não para os que apenas se atêm às equações.
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