Sob clima de desconfiança, negociações da COP30 enfrentam cenário de incertezas
Em Belém, conferência da ONU encara a missão de implementar ações contra o aquecimento global em meio à desagregação geopolítica
A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) começa na segunda-feira 10, em Belém, no Pará, tendo como pano de fundo desconfianças e discordâncias que ameaçam a essência das negociações sobre o aquecimento global: o multilateralismo, ou seja, a cooperação entre os países com o propósito de alcançar objetivos em comum. Desde o Acordo de Paris, em 2015, quando nações e blocos econômicos concordaram em agir em conjunto para conter a elevação da temperatura da atmosfera, não se percebia a ordem global tão dividida. As guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, o acirramento da rivalidade entre Estados Unidos e China, o protecionismo comercial e a ascensão de governos populistas tiraram o tema do centro da agenda de países cruciais à implementação das ações necessárias para cumprir as metas climáticas.
Diplomatas admitem que, mais do que uma disputa técnica sobre metas e prazos, a COP30 será um teste para medir até que ponto o mundo ainda acredita em soluções coletivas. Até quinta-feira 6, 149 delegações haviam reservado acomodações em Belém, de um total de mais de 190. Antes do início dos trabalhos, presidentes, premiês, membros de realezas e ministros de seis dezenas de países se reuniram na capital paraense para a Cúpula dos Líderes, que serve para sinalizar às delegações a tônica das discussões técnicas que devem ocorrer durante a COP propriamente dita.
Algumas ausências nesse encontro de líderes são significativas. O ditador chinês Xi Jinping designou o vice-premiê, Ding Xuexiang, para ir em seu lugar. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tampouco compareceu, como já era esperado, nem sequer enviou uma delegação para as negociações — reflexos da retirada dos americanos do Acordo de Paris. China e Estados Unidos são os maiores emissores de gases causadores do efeito estufa.
Enquanto Trump classifica os alertas da crise climática como uma farsa, os representantes de Pequim desembarcam em solo amazônico preparados para defender suas metas de redução das emissões, consideradas modestas por muitos ambientalistas, e para realçar o fato de serem os maiores investidores em transição energética do mundo. Segundo o Conselho Chinês para a Promoção do Comércio Internacional, o país aplicou 625 bilhões de dólares em energia limpa em 2024, um terço do total global. Ainda assim, o carvão segue respondendo por cerca de 60% da geração elétrica nacional. Dessa forma, a China deve usar o encontro para se vender como a grande potência verde emergente, defendendo o direito ao desenvolvimento e questionando mecanismos que penalizam suas exportações, como o imposto europeu de carbono (uma taxa de importação baseada nas emissões que resultam da fabricação dos produtos). “O rumo da China será decisivo para o futuro climático do planeta. O país responde por um quarto das emissões globais. Se suas emissões atingirem o pico e começarem a cair, o mesmo ocorrerá em escala mundial”, diz o alemão Niklas Höhne, especialista em política climática do NewClimate Institute.
A atmosfera abafada de Belém carrega também outras incertezas. A União Europeia chega dividida, pressionada internamente por governos populistas e por setores industriais que resistem à adoção de metas de neutralidade de carbono até 2050. Representantes dos ministérios do Meio Ambiente dos 27 países do bloco passaram a noite de terça-feira para quarta-feira, 5, debatendo até definir as metas de redução de emissões a serem apresentadas. Por pressão de países como Hungria, Polônia e Eslováquia, o acordo foi menos ambicioso do que se esperava. A França e a Alemanha, por outro lado, tentam reafirmar o papel do bloco como guardião do Acordo de Paris.
Já os países emergentes, liderados por Brasil, Índia, Indonésia e África do Sul, defendem que as nações ricas aumentem de 300 bilhões para 1,3 trilhão de dólares anuais os repasses para ajudá-los a cumprir suas metas climáticas. Os países em desenvolvimento também sofrem de desagregação e desconfiança: os governos da Argentina e do Paraguai, alinhados ao negacionismo climático de Trump, por exemplo, decidiram esnobar a COP30 em seu país vizinho e parceiro de Mercosul.
A fervura das discussões aumentou ainda mais no último dia 28, quando Bill Gates, fundador da Microsoft, propôs uma abordagem alternativa para a crise climática. Ele defende que o foco não deve mais estar apenas na redução de emissões para conter as mudanças do clima, mas sobretudo em “melhorar vidas” nas regiões mais vulneráveis do planeta. A lógica do bilionário é a seguinte: se os esforços e os recursos gastos não estão sendo capazes de evitar o aquecimento global, seria mais efetivo direcioná-los para preparar as pessoas para os seus efeitos, o que inclui adaptar-se à nova realidade e melhorar a saúde da população. Em um artigo, Gates afirmou: “Se eu tivesse que escolher entre eliminar a malária e limitar o aumento da temperatura global em 0,1 grau, eu deixaria a temperatura subir e erradicaria a doença”. A reação foi imediata e polarizada: de um lado, empresários de tecnologia e investidores elogiaram o pragmatismo do bilionário como estímulo à inovação e à adaptação; de outro, economistas renomados como o americano Jeffrey Sachs consideraram o posicionamento “vago” ou até “contraproducente”, alertando que não há uma troca simples entre combater a pobreza e reduzir emissões e que cada décimo de grau de temperatura importa.
O impacto dos questionamentos levantados por Gates revela a nova configuração da governança climática, cada vez menos centrada em governos nacionais e mais pulverizada entre setor privado, organizações não governamentais, grupos sociais e autoridades subnacionais. A COP30 reflete esse novo arranjo: apesar da ausência dos Estados Unidos como governo central, uma expressiva delegação de governadores e prefeitos americanos confirmou presença em Belém. Eles são capazes de transformar compromissos em ações concretas mesmo sem o apoio de Washington: transporte público elétrico, eficiência energética, gestão de resíduos e moradia sustentável são alguns exemplos.
Na segunda-feira 3, no Rio de Janeiro, uma Cúpula Mundial de Prefeitos reuniu mais de 300 líderes de cidades onde vivem 700 milhões de pessoas e geram um quarto do PIB global. Em conversa com VEJA, o prefeito de Londres, Sadiq Khan, afirmou que os centros urbanos não podem esperar a boa vontade dos governos nacionais: “Estamos mostrando que é possível agir já: reduzindo emissões, melhorando o ar que respiramos e criando empregos sustentáveis”. Em um debate climático fragmentado, iniciativas próximas ao dia a dia das pessoas podem fazer a diferença.
Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969
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