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O desafio trilionário da transição energética

O Brasil se destaca entre os países emergentes na atração de investimentos, mas o ritmo global ainda é insuficiente para alcançar o ideal de metas climáticas

Por Leandro Steiw
8 nov 2024, 06h00
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  • De 2024 a 2030, o investimento anual em produção de energia renovável precisa chegar a 1,5 trilhão de dólares para limitar o aumento da temperatura global dentro da meta estabelecida no Acordo de Paris. A estimativa da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) indica um desafio enorme pela frente. Em 2023, esse investimento foi recorde, mas parou em 570 bilhões de dólares, pouco mais de um terço do valor necessário. Se for considerada toda a cadeia de tecnologias de transição — produção, armazenamento, eficiência energética, transporte eletrificado, hidrogênio e captura e armazenamento de carbono —, os investimentos atuais de 1,8 trilhão de dólares deveriam triplicar.

    A transição para energias renováveis também reforça as preferências do capital. Cerca de 70% do investimento no setor vai para China, Índia e países desenvolvidos. As economias emergentes e em desenvolvimento estão ficando fora do jogo. A Irena constata que os investimentos caíram 47% no continente africano de 2022 a 2023 e a África subsaariana recebeu quarenta vezes menos investimentos per capita em comparação à média mundial. Entre os emergentes, pelo menos o Brasil tem andado na contramão dessa tendência e destinou 35 bilhões de dólares para a transição em 2023, ficando em quinto lugar no ranking mundial de investimentos elaborado pela agência BloombergNEF.

    Gastos energias

    Embora o setor privado financie 75% dos projetos de energia renovável no mundo todo, há potencial para mais. A agência Irena ressalta que os saldos globais em aplicações de renda fixa somam 130 trilhões de dólares e uma parte muito pequena poderia ser revertida para o setor. Apesar de limitado, o dinheiro público também será crucial nos países em desenvolvimento, onde apenas 14% dos investimentos na transição são financiados pelo capital privado, segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP). Além de contribuírem com um terço do dinheiro necessário para combater o aquecimento do planeta, as instituições públicas deverão melhorar a eficiência de seus investimentos em infraestrutura, outro desafio diante da carência de recursos.

    No Brasil, historicamente a maior parte desse esforço é feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A Bloom­berg lista o banco brasileiro como uma das principais instituições financeiras internacionais em empréstimos para projetos de biocombustíveis, biomassa e energia hidrelétrica, solar fotovoltaica e eólica. Foram 36 bilhões de dólares de 2004 a 2023. “O BNDES financiou 70% da expansão energética do Brasil nos últimos vinte anos e, desde 2020, investiu mais de 1 trilhão de reais em projetos de infraestrutura”, disse Luciana Costa, diretora de transição energética do banco, durante o VEJA Fórum — Oportunidades do Brasil na Transição para a Energia Verde, realizado por VEJA e VEJA NEGÓCIOS. “O impacto que o BNDES tem na economia é muito grande. Todos os outros bancos são internacionais e financiam proje­tos em vários lugares do mundo. O BNDES só financia no Brasil.”

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    MUITA LUZ - Fazenda solar no Brasil: o BNDES financia projetos na área cobrando taxas baixas de juros
    MUITA LUZ - Fazenda solar no Brasil: o BNDES financia projetos na área cobrando taxas baixas de juros (Lucas Lacaz Ruiz/Fotoarena/.)

    Outro importante agente público no Brasil, o Banco do Nordeste aplicou cerca de 30 bilhões de reais nos últimos cinco anos nas cadeias produtivas de energia solar e eólica. A força dos ventos já é notável na região. Os nove estados do Nordeste concentram 92% da geração de energia eólica do Brasil. “Os seis maiores projetos de hidrogênio verde em discussão na região, uma parte significativa deles no Ceará, representam, juntos, 30 bilhões de dólares. Estamos falando de muitos recursos e oportunidades que surgirão nos próximos anos”, disse Paulo Câmara, presidente do Banco do Nordeste, durante o VEJA Fórum — Oportunidades do Brasil na Transição para a Energia Verde.

    As iniciativas de bancos multilaterais e públicos de fomento não excluem a necessidade de mobilizar o investimento privado. “O mercado financeiro privado calcula o custo de capital a partir do risco percebido. Se eu reduzo o risco, reduzo o custo de capital e permito que mais recursos fluam para uma área em que, talvez, o capital não esteja se sentindo preparado para investir no primeiro momento”, disse José Pugas, sócio e diretor de sustentabilidade da gestora Régia Capital. Ele destacou que cada real de dinheiro público investido no Programa Eco Invest Brasil, linha de crédito do governo federal com a participação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, conseguiu atrair 6 reais do mercado privado. Em busca de financiamento externo, o Eco Invest reduz os riscos da desvalorização cambial e do endividamento em moeda estrangeira para os projetos de transição verde.

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    O dinheiro público também acaba assumindo, com taxas de juros mais baixas, o custeio de tecnologias ainda não consolidadas, cujo risco de desenvolvimento e adoção afasta os investidores tradicionais. O Fundo Clima, gerido pelo BNDES, financia até 100% de projetos de geração de energia solar e eólica, biomassa, eficiência energética, armazenamento e rede elétrica inteligente (smart grid), com valores de 20 milhões a 500 milhões de reais. A maior parte dos recursos é captada a partir da emissão de títulos soberanos sustentáveis do Tesouro Nacional no mercado americano. As duas primeiras negociações do chamado Global ESG arrecadaram 4 bilhões de dólares, em novembro de 2023 e junho de 2024, três quartos oriundos de investidores da Europa e da América do Norte. Até então, o Orçamento da União subsidiava o fundo quase integralmente.

    A FORÇA DO CAPITAL - Debate com (a partir da dir.) Luciana Costa, do BNDES; Pugas, da Régia; Câmara, do Banco do Nordeste. Mediação: Juliana Machado, de VEJA
    A FORÇA DO CAPITAL - Debate com (a partir da dir.) Luciana Costa, do BNDES; Pugas, da Régia; Câmara, do Banco do Nordeste. Mediação: Juliana Machado, de VEJA (Flávio Santana/.)

    A regulamentação do mercado de carbono deve abrir outra fonte importante de investimento privado, na opinião de Pugas. A votação do projeto de lei está emperrada no Senado. O tema, no entanto, envolve uma costura complexa de interesses de segmentos da sociedade brasileira há mais de uma década. Em resumo, o mercado de carbono permite que empresas e entidades negociem créditos de carbono, tentando compensar a emissão de gases do efeito estufa acima do teto estabelecido em lei. Um sistema semelhante funciona na Europa desde 2005, e no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, desde 2013. “O grande sinal negativo que estamos enviando no Brasil é a falta de celeridade no processo de regulação do mercado de carbono”, disse Pugas.

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    A agência BloombergNEF constata que, desde 2020, os gastos mundiais em tecnologias de transição energética têm sido maiores que o investimento em combustíveis fósseis. Nos países desenvolvidos, a demanda por petróleo em 2023 caiu a patamares de 1991 e deve diminuir ainda mais até 2030, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Mas a IEA estima que a produção de petróleo deverá se manter elevada no fim desta década, estimulada pelo crescimento das economias emergentes da Ásia, principalmente de Índia e China. O cenário comprova que serão necessários muito dinheiro e disposição política para garantir o avanço das energias renováveis.

    Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição especial nº 2918

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