Ligados no 220: o avanço dos automóveis movidos a eletricidade
Os veículos lançados pela indústria trazem todos os atributos dos convencionais — inclusive a velocidade
Desde que os automóveis foram inventados, no fim do século XIX, o prazer de dirigir sempre esteve associado a velocidade e aspectos sensoriais como vento no rosto e ruído dos motores mais potentes. Os tempos mudaram, assim como as demandas do planeta, e não há como negar que o futuro da mobilidade é elétrico. Montadoras e nações vêm se comprometendo a reduzir suas emissões de dióxido de carbono (CO2) e a desenvolver fontes de energia sustentáveis. Trata-se de um negócio bilionário e em franca ascensão — ainda que em marcha lenta no Brasil. Ao contrário do que pensam alguns puristas, porém, a nova realidade não representa um retrocesso no deleite de dirigir.
Marcas que construíram sua reputação no mundo da supervelocidade entraram de vez no jogo do zelo ambiental. É o caso da alemã Porsche, dona do modelo Taycan, o elétrico esportivo mais vendido do mundo e do Brasil. “O Taycan não é um carro elétrico, mas um Porsche elétrico”, diz Leandro Rodrigues, responsável pela área de produto e preço da empresa. O automóvel traz todos os atributos da versão a gasolina, o que inclui, entre outros, o arranque explosivo — chega a 100 quilômetros por hora em 2,8 segundos. O Porsche “verde” é o mais potente entre todos os veículos da marca e já vendeu 321 unidades no Brasil, mesmo custando em torno de 1 milhão de reais. A montadora alemã assumiu o ambicioso compromisso de atingir um balanço neutro de carbono até 2030. Para isso, investiu na instalação de eletropostos, os locais que fornecem energia às baterias por meio de um plugue. Há atualmente 754 deles espalhados em rodovias, shoppings e postos de combustível do país, sem contar os edifícios residenciais e comerciais e os pontos de concessionárias.
A Porsche não é um exemplo isolado. O Audi RS e-tron GT, primeiro esportivo elétrico da marca, teve suas unidades de pré-venda esgotadas no Brasil em menos de 24 horas, em mais uma prova de que o mercado de luxo passou ileso pela pandemia. A montadora buscou uma solução para quem reclama do ronco mais tímido do que o normal. Dois alto-falantes reproduzem o barulho do sistema de tração, dentro e fora do veículo. O proprietário ainda pode modular o ruído do motor, enquanto acelera a mais de 200 quilômetros por hora. A BMW também pôs à venda por aqui uma máquina híbrida (um motor elétrico e outro a combustão), o 530e M Sport, que tem no seu DNA a forte aceleração.
Goste-se ou não, o mercado de carros movidos a eletricidade é um caminho sem volta. No ano passado, pela primeira vez a Europa emplacou mais veículos elétricos (1,4 milhão) do que a China (1,2 milhão), país até então imbatível nesse ramo, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês). A busca por sustentabilidade é a base de tudo. Um estudo do Conselho Internacional de Transporte Limpo mostrou que um veículo elétrico emite, ao longo de sua vida útil, desde a produção até o descarte de componentes, entre 60% e 68% menos carbono que aquele com motor de combustão interna.
O Brasil é retardatário. Apenas dois modelos Toyota Corolla híbridos são produzidos em solo nacional e os carros eletrificados representaram somente 1% das vendas totais em 2020, bem abaixo dos 4,6% em escala global. Ainda assim, o aumento é constante. O país bateu o recorde de vendas de eletrificados no primeiro semestre: 13 899 no total, informa a Agência Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). A expectativa é de que os emplacamentos em 2021 ultrapassem 30 000 veículos, o que significaria um aumento superior a 50% em relação ao ano anterior.
Apesar de dispor de uma matriz mais limpa de geração de energia, com hidrelétricas e crescente participação solar e eólica, o Brasil esbarra na falta de políticas públicas, especialmente as tributárias. “Infelizmente, não temos uma agenda nacional de eletromobilidade”, reclama Adalberto Maluf, presidente da ABVE. “Enquanto a Europa e diversos países da América Latina aprovaram pactos importantes, nós estagnamos.” O valor do imposto sobre produtos industrializados (IPI), que pode chegar a 20% no caso dos elétricos ante 7% de veículos flex a combustão, é a principal reclamação. O caminho da sustentabilidade pode até ser longo, mas a arrancada já começou.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758
(Errata: diferentemente do que foi informado na edição impressa e na arte desta matéria, o Porsche Taycan Turbo S tem autonomia estimada em 390 km a 417 km pelo World Harmonized Light Vehicles Test Procedure (WLTP), a norma europeia em vigor desde 2017. Os dados variam de acordo com a proporção entre ciclo urbano/rodoviário, temperatura externa e configuração do veículo, e estão disponíveis na íntegra no site da Porsche).