Incêndios na Austrália podem agravar seca no Brasil, diz estudo
Pesquisa mostra como engrenagem do clima é complexa e interligada

A complexidade da dinâmica atmosférica faz com que a ciência climática avance lentamente, sempre desafiada por variáveis imprevisíveis. Nessa semana, um novo estudo demonstrou que os incêndios florestais que devastaram a Austrália, em 2019, podem ter agravado a seca que atingiu o Brasil nos meses seguintes.
Segundo o levantamento feito pelos pesquisadores Nan Rosenbloom e John Fasullo, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos, o prolongamento do La Niña, que durou entre 2020 e 2023, pode estar relacionado à intensa temporada de incêndios que a Austrália enfrentou três anos atrás.
O estudo foi publicado pela revista científica Science Advances e mostra que os incêndios florestais de 2020 produziram tanta fuligem que podem ter alimentado o início do fenômeno, caracterizado pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico ao longo da costa do Peru e do Equador.
Na América do Sul, o La Niña tem como principais efeitos a seca nos estados da Região Sul, sobretudo o Rio Grande do Sul, assim como na Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile.
Neste mês de junho, observa-se a formação do fenômeno contrário, o El Niño, que acontece quando há aquecimento das águas do Pacífico.
Ainda de acordo com a dupla de cientistas, essas queimadas produziram emissões de dióxido de carbono em grande, comparável à de uma erupção vulcânica.
O estudo afirma que a entrada da fumaceira na atmosfera produziu ampla formação de nuvens sobre o sudeste do Oceano Pacífico. Esse platô de nuvens absorveu a radiação solar, levando ao resfriamento das temperaturas das águas na superfície.
Esse mecanismo, afirmam os cientistas, pode ter ajudado a desencadear o início de um padrão climático excepcionalmente intenso do La Nina.
Os cientistas aplicaram uma modelagem para demonstrar como as emissões das queimadas podem mudar os padrões climáticos.
Isso porque a fuligem das queimadas acaba carregada de micropartículas que atuam como núcleos de condensação, atraindo moléculas de água na atmosfera. Esse fenômeno acaba produzindo nuvens carregadas.
Assim, a camada de nuvens causou o resfriamento generalizado da superfície no Oceano Pacífico tropical, um dos principais ingredientes para desencadear do La Niña.
Imagens de satélite captadas pela Nasa mostraram que a fumaça originada na Austrália cruzou aproximadamente 12.000 quilômetros até alcançar a América do Sul.
Essa fumaceira atingiu o Brasil durante a primeira semana de janeiro de 2020, alterando a cor do céu sobre o Rio Grande do Sul.
Segundo o pesquisador do clima Tom Mortlock, a fumaça afetou a formação de nuvens numa região do Pacífico que desempenha papel regulador no clima do globo.
“O sudeste do Pacífico é uma área sensível e importante para o que acontece com El Niño e La Niña. Muitas vezes vemos os primeiros sinais desses acontecimentos se formando naquela parte do planeta”, disse.
