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Degelo da camada externa da Groenlândia acelera e traz riscos ao planeta

Os efeitos do aquecimento global atingiram áreas remotas e de alta altitude do centro-norte do país

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h56 - Publicado em 28 jan 2023, 08h00
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  • País autônomo dentro do Reino da Dinamarca, a Groenlândia é a maior ilha do planeta, localizada entre os oceanos Ártico e Atlântico. Com uma massa terrestre equivalente ao tamanho dos estados de São Paulo, Goiás, Tocantins e Pará somados, tem uma cobertura de gelo que ocupa quase 80% dessa área. É a segunda maior camada de água congelada do mundo depois da Antártica, com até 3 quilômetros de espessura em alguns lugares. Contém líquido suficiente para aumentar o nível do mar em até 7 metros, se derretesse de uma hora para outra, causando uma sequência de tragédias que inclui o deslocamento de milhões de pessoas em áreas costeiras e eliminação de fonte hídrica para muitos países próximos. Com as inegáveis mudanças climáticas em curso, esse cenário não parece mais tão hipotético, segundo um grupo de cientistas europeus.

    arte Groenlândia

    Em um estudo publicado recentemente na revista científica Nature, os pesquisadores descobriram que os efeitos do aquecimento global atingiram áreas remotas e de alta altitude do centro-norte da Groenlândia. O grupo perfurou a camada externa na região e extraiu cilindros de gelo que permitiram uma reconstrução mais fiel possível das temperaturas médias do ano 1000 até 2011. Os dados foram obtidos medindo as concentrações de isótopos de oxigênio dentro das amostras, que variam em razão das temperaturas predominantes nos momentos de sua formação. A partir do levantamento, eles verificaram que, entre 2001 e 2011, o clima do manto branco foi 1,5 grau maior do que a média do século XX, tornando o período o mais quente do último milênio. “Apesar de termos essa expectativa, à luz do aquecimento global, ficamos surpresos com a diferença”, afirma Maria Hörhold, glaciologista do Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Polar e Marinha, na Alemanha, e principal autora da pesquisa.

    Acredita-se que a camada de gelo da Groenlândia tenha se formado durante a última Era Glacial, há mais de 2 milhões de anos. Os cientistas entendem, depois de muito vasculhar, que as exageradas temperaturas contemporâneas são o resultado de uma combinação de efeitos naturais com os danos provocados a partir do século XVIII em razão da atividade humana. O fenômeno causou um degelo na região centro-norte e pode aumentar à medida que a camada externa vai se perdendo, numa taxa que, em 2100, pode levar ao aumento de 50 centímetros no nível do mar.

    EXAME - Cilindro de gelo sob análise: pistas do clima de mais de 1 000 anos atrás -
    EXAME - Cilindro de gelo sob análise: pistas do clima de mais de 1 000 anos atrás – (Christian Morel/Science/.)
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    Para estabelecer nexo entre as temperaturas nas partes altas da Groenlândia e o derretimento ao longo da costa, os autores usaram um modelo matemático do clima dos anos 1871 a 2011 e observações de satélite dos anos 2002 até 2021. O conjunto de informações colhidas, segundo os pesquisadores, representa um extraordinário salto para o estudo climático de uma região do mundo que sempre foi muito enigmática e que somente agora, felizmente, começa a entregar seus segredos. “A melhor compreensão da dinâmica do derretimento da camada de gelo é um passo para ajudar a otimizar as medidas de adaptação”, escreveram os autores do seminal trabalho.

    Além de identificar as variações de temperatura na Groenlândia e suas consequências, o estudo mostrou que o clima da camada de gelo não tem relação com o restante do Ártico, o que pode ser considerado uma boa notícia. O degelo da Groenlândia pode não se espalhar pela vizinhança. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão comparando as medições com a reconstrução climática do Polo Norte nos últimos 2 000 anos. Fizeram isso a partir de um modelo chamado Arctic 2k. “A evolução da temperatura no centro da Groenlândia tem uma dinâmica própria”, diz Thomas Laepple, pesquisador climático do Instituto Alfred Wegener, um dos coautores do levantamento. A explicação pelo andamento diferente do fenômeno de derretimento: devido à sua proximidade do polo, a ilha é mais afetada pelos padrões de circulação atmosférica do que outras partes do Ártico. Convém preservar essa imensidão e suas condições climáticas, para o bem da humanidade e do planeta — os efeitos do derretimento do manto de gelo glacial da Groenlândia vão muito além das dificuldades que podem se impor para seus 57 000 habitantes. É preciso se preocupar com aquele pedaço do planeta como nos preocupamos com a Amazônia.

    Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826

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