A relação da economia com a biodiversidade e o desenvolvimento sustentável é tema de um estudo que o Tesouro britânico encomendou, recentemente, ao renomado economista Partha Dasgupta. E o cenário mapeado não é dos mais promissores: hoje o mundo perde biodiversidade em uma velocidade sem precedentes na história da Terra. Enquanto o capital produzido per capita dobrou entre 1992 e 2014 e o capital humano cresceu 13%, nosso estoque de capital natural por pessoa caiu quase 40%.
A conclusão é categórica: se nada for feito imediatamente, caminharemos rumo a um colapso da biosfera, que impactará progressivamente o clima, o fornecimento de água, insumos agrícolas, entre outros serviços ecossistêmicos fundamentais à economia. Se continuarmos nesse ritmo de destruição, em pouco menos de 30 anos os custos de produção de alimentos sofrerão aumentos significativos.
No Brasil, nosso meio ambiente vem sofrendo com degradações e ameaças constantes, a exemplo das queimadas no Pantanal e do desmatamento na Floresta Amazônica, além das tentativas de enfraquecimento de órgãos gestores ambientais, para citar alguns. Ao mesmo tempo, os dados levantados por Dasgupta evidenciam o quanto nosso país é privilegiado por ainda abrigar tamanha diversidade biológica – o que nos coloca em um patamar único e excepcional perante todas as nações.
Mundo afora, somos reconhecidos como um país “bonito por natureza” – e esse feito não é por acaso. O Brasil é o lugar mais biodiverso do mundo, com quase 20% de todas as espécies de fauna e flora do planeta, além de biomas com características genuinamente brasileiras, como é o caso da Caatinga, e da savana mais rica em biodiversidade do mundo – o Cerrado. Temos, ainda, a maior reserva de diversidade biológica de toda a Terra – a Floresta Amazônica – que também recebe a titulação de maior floresta tropical que existe.
Toda essa biodiversidade se reflete, na prática, em uma série de benefícios gerados para a sociedade. Nossas florestas ajudam a regular o clima, promovem a saúde do solo, atuam como reservatórios de água doce do planeta, melhoram a qualidade de vida em nossas cidades e garantem a sustentabilidade da nossa agricultura que, tendo a biodiversidade como aliada, pode impulsionar sua trajetória histórica de ganhos de produtividade e agregar crescentemente valor aos seus produtos. Soma-se a isso uma rica sociobiodiversidade representada pelos povos indígenas e comunidades tradicionais, cujos saberes originários das florestas possuem um valor inestimável.
O fato é que, lá fora, muitos parecem já reconhecer o valor singular do patrimônio natural brasileiro, que tanto nos representa e nos diferencia. Se tratarmos este patrimônio de forma coerente, podemos nos projetar a um outro nível de desenvolvimento e protagonizar a agenda global de sustentabilidade. Infelizmente, nosso atual governo insiste em caminhar na contramão desta oportunidade, prejudicando milhões de agricultores, empreendedores e cidadãos brasileiros.
Há algum tempo, especialistas já afirmavam que a adoção de novos modelos econômicos baseados na inovação e no uso sustentável de recursos naturais da Amazônia poderiam gerar até cinco vezes mais riquezas para a região amazônica do que as atividades de pecuária e extração de madeira, por exemplo. Mais recentemente, um estudo do WRI trouxe em pauta essas e outras questões, sobretudo neste novo cenário pandêmico em que vivemos hoje.
Na prática, a transição para uma economia de baixo carbono, por meio de incentivos para o uso de tecnologias e infraestruturas voltadas à uma agricultura mais moderna e sustentável, sem a necessidade de provocar desmatamento e mais degradação, poderia aumentar nossa eficiência produtiva, gerar novos empregos e ainda assegurar a qualidade dos recursos hídricos do país. Em adição, o plantio de espécies nativas em larga escala, por exemplo, possui um enorme potencial de nos tornar líderes de exportação de madeira tropical, além de abrir novas oportunidades de negócios por meio de mercados de créditos de carbono e outros serviços ambientais, cujos resultados também devem incidir sobre as relações internacionais e a imagem externa do país.
Ou seja, o Brasil é uma nação genuinamente vocacionada a ser guardiã da biodiversidade, e quanto mais se distancia dessa essência, mais negligencia sua personalidade, o traço mais caro à sua identidade. Como num processo terapêutico de autoconhecimento, é possível que nosso país se depare com obstáculos e muitas tentações – personificados num negacionismo vazio, mas altamente periculoso, sobre as reais vulnerabilidades e violações ambientais. Contudo, no momento em que se reencontrar, certamente poderá se tornar o protagonista de uma agenda sustentável, conservando e gerindo o bem mais precioso da humanidade: a nossa rica e exuberante natureza.
*Guilherme Passos é Gestor da Anima Investimentos e Conselheiro do Instituto Semeia, organização sem fins lucrativos que trabalha para transformar as áreas protegidas em motivo de orgulho para brasileiros e brasileiras