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Conciliar interesses de aliados em país dividido: os desafios de Lula

Petista protagonizou um impressionante caso de ressurreição política e chegou à Presidência pela terceira vez

Por José Benedito da Silva Atualizado em 4 jun 2024, 10h56 - Publicado em 23 dez 2022, 06h00

Era perto das 22 horas do dia 30 de outubro quando Luiz Inácio Lula da Silva se dirigiu aos jornalistas em um hotel em São Paulo para falar como o primeiro brasileiro a obter nas urnas o terceiro mandato de presidente da República. Bastante emocionado, emitiu uma espécie de contra-atestado de óbito. “Eu me considero um cidadão que teve um processo de ressurreição na política brasileira. Tentaram me enterrar vivo e eu estou aqui para governar este país”, disse — repetiria a fala logo depois na Avenida Paulista, no primeiro encontro com eleitores após a vitória. No último dia 12, em sua diplomação no Tribunal Superior Eleitoral, entre discursos em defesa da democracia, da Constituição e da pacificação do país, Lula chorou — e voltou a lembrar a via-crúcis que havia percorrido até ali. “Eu quero pedir desculpas pela emoção, porque, quem passou o que eu passei nesses últimos anos, estar aqui agora é a certeza de que Deus existe”, afirmou.

Lula tem mesmo o que comemorar. Condenado à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso envolvendo um tríplex no Guarujá, no litoral de São Paulo, ele teve a sentença confirmada pela segunda instância, perdeu uma infinidade de recursos nas Cortes superiores e foi parar na cadeia em Curitiba, onde ficou 580 dias. Inelegível, tentou mesmo assim disputar a eleição de 2018, mas teve a pretensão barrada pela Justiça. Detrás das grades, assistiu à chegada da extrema direita ao poder com Jair Bolsonaro, chorou a perda de familiares, viu a sua relevância política minguar e o número de processos judiciais crescer, reduzindo a cada dia as chances de sair da prisão e voltar ao cenário.

A reviravolta aconteceu de forma surpreendente em março de 2021, quando o ministro Edson Fachin, do STF, anulou todas as condenações contra o petista por considerar que Curitiba não era o foro adequado para tramitar o processo. Enquanto o país ainda tentava estupefato entender a decisão solitária, o pleno da Suprema Corte ratificou a decisão. Dali para a frente, Lula não só voltava ao jogo, como começou a colocar seus inimigos contra a parede. O primeiro foi seu algoz, o ex-juiz Sergio Moro, que três meses depois foi reconhecido pelo mesmo STF como parcial na condução da ação contra Lula. Uma a uma, as acusações contra o petista foram virando pó.

CONFIRMAÇÃO - Moraes entrega diploma a Lula: choro e discursos pela democracia -
CONFIRMAÇÃO - Moraes entrega diploma a Lula: choro e discursos pela democracia – (Ricardo Stuckert/.)

O retorno de Lula ao tabuleiro político antecipou e mudou a disputa presidencial, que acabou se tornando uma das mais longas e mais polarizadas da história política brasileira. O embate inédito entre um presidente e um ex-­presidente, que alinharam os seus numerosos exércitos à direita e à esquerda, tomou todos os espaços do espectro político. Numa campanha marcada pela confrontação ideológica, fake news, debate raso sobre os problemas do país e ataques mútuos abaixo da cintura, o petista derrotou o presidente por pouco: 50,9% a 49,1% dos votos.

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O triunfo só foi possível porque Lula teve a decisão acertada de construir a frente mais ampla possível. Montou a maior coligação já feita em torno de seu nome, com dez partidos, incluindo a inédita união de todas as grandes siglas da esquerda. Acertou também na aproximação com o então tucano Geraldo Alckmin, duas vezes candidato a presidente, uma delas contra o próprio Lula, em 2006. A aliança representou um aceno significativo ao centro e a setores arredios ao petismo, como o empresariado. No segundo turno, ampliou a frente, com apoios significativos como os do ex-presidente FHC, da senadora Simone Tebet (MDB), de parte do empresariado e de economistas importantes como Arminio Fraga.

O desafio agora é tentar espelhar na montagem do governo a ampla aliança, não só com a divisão de cargos importantes, mas principalmente conciliando diferentes visões sobre temas centrais. Ele terá pela frente uma oposição forte, possivelmente com a liderança de Bolsonaro. As dificuldades de Lula não são pequenas nesta sua volta: vai governar um país que nunca esteve tão dividido e com problemas graves e urgentes a serem enfrentados, a começar pela delicada situação da economia (nesse aspecto, ele emitiu sinais preocupantes em discursos repetidos contra questões como a das privatizações e com nomeações polêmicas, como a escolha de Aloizio Mercadante para o comando do BNDES). A maior parte dos eleitores tem a expectativa de que, a partir de 2023, Lula deixe de lado as ideias antigas e equivocadas, sendo capaz de colocar o país de volta nos trilhos do desenvolvimento. É um desafio tão grande quanto foi seu triunfo.

Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821

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