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Reino Unido: morte de Elizabeth II marcou fim de uma era

Saiu de cena a rainha que ao longo de setenta anos de reinado soube manter de pé uma instituição sem sentido no mundo moderno

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h58 - Publicado em 23 dez 2022, 06h00

A mesma coroa imperial incrustada com 2 868 diamantes e pesando mais de 1 quilo que representou seus longuíssimos setenta anos de reinado permaneceu pousada sobre o caixão de Elizabeth II nos dez dias de velório, pompa e comoção que se seguiram à morte da rainha de 96 anos. Soberana por acaso, que só se tornou princesa herdeira aos 10 anos porque o pai foi convocado a preencher o trono vazio pela abdicação do tio Edward VIII, Elizabeth, ao partir, era a única monarca britânica que gerações de súditos e não súditos haviam conhecido — calcula-se que 80% das pessoas que hoje habitam o planeta não tinham nascido quando ela foi coroada. Uma constante confiável e inabalável em um mundo de mudanças aceleradas, aprendeu com seus erros, foi angariando afeto e respeito e se tornou a singular garantia de sobrevida de uma monarquia à moda antiga, obsoleta em países modernos no século XXI.

Desfilando vestidos, casacos e chapéus de cores vivas com uma bolsa discreta (e vazia, segundo dizem) pendurada no braço e joias espetaculares de sua coleção particular, Elizabeth cumpriu, um a um, todos os seus deveres, sorridente e simpática na medida para pairar uns centímetros acima dos demais mortais, sem se desviar um milímetro do protocolo e do simbolismo de suas funções. Dois dias antes de morrer, passou o bastão da chefia do governo pela 15ª vez no Castelo de Balmoral, na Escócia, onde se recolheu nos últimos momentos — recebeu o primeiro-ministro que saía, Boris Johnson, e, horas depois, sua substituta, Liz Truss (aquela que durou menos no cargo do que uma cabeça de alface).

Reservada e impassível, personificou os valores tradicionais britânicos e se tornou notável pelas coisas que não fazia, em nome de um profundo senso de dever e autodisciplina até nos momentos mais impactantes. E impactos não faltaram na família real sob seu matriarcado: marido infiel, irmã alcoólatra, três dos quatro filhos divorciados, sendo justamente a separação do herdeiro Charles da princesa Diana a mais conturbada — episódio reeditado na atual temporada da série The Crown (para desgosto do Palácio de Buckingham). A morte trágica de Diana em um acidente de carro em Paris, no auge de seus 36 anos, abalou como nada antes a popularidade da rainha diante de súditos inconformados com sua indiferença. Bem a seu estilo, Elizabeth engoliu o orgulho e foi à TV ler um discurso de elogios à nora detestada. Mais recentemente, precisou lidar — a distância, sem expressões em público — com o afastamento de Harry e Meghan das funções reais e a ida deles para os Estados Unidos, onde falam poucas e boas dos parentes reais.

A monarquia britânica é a única de seu porte ainda em vigor na Europa. Embora não faltem reis e príncipes no continente, as outras famílias reais ou abriram mão de vários privilégios, modernizando de um lado, mas perdendo brilho de outro, ou seguem vivendo em pompa e circunstância, mas com muito menos fundação histórica — e fortuna infinitamente menor — do que a Casa de Windsor. Elizabeth morreu no auge da popularidade, a última memória de um Reino Unido altivo e relevante — uma imagem que tem muito pouco a ver com o país de hoje, mas que continuava a despertar nos britânicos um sentimento de unidade e orgulho. Com ela, vai-se uma era de dignidade e respeito à coroa que o herdeiro, Charles III, terá de suar (discretamente, sem que ninguém perceba) para reeditar.

Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821

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