Onze republicanos e uma missão: tentar derrotar Donald Trump em 2024
Para o ex-presidente, quanto mais, melhor
Escolhido para ser o vice-presidente na chapa do Partido Republicano na eleição de 2016, Mike Pence esmerou-se ao longo dos quatro anos de governo Trump em se mostrar leal — quando não abertamente obsequioso — ao chefe. Pois agora até Pence, o ex-bajulador-mor da República hoje rompido com o objeto de sua adulação, tira uma casquinha na pré-campanha republicana. Na segunda-feira 5, ele entrou na disputa pela indicação do partido à Presidência no ano que vem, engrossando a fila de políticos esperançosos de derrotar Donald Trump nas primárias. Concorrentes não lhe faltam: no dia seguinte ao anúncio, o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie ingressou no jogo, seguido pelo governador de Dakota do Norte, Doug Burgum, o que elevou para doze o número de postulantes (veja no quadro). Cada nome novo é comemorado pelo bonde trumpista, confiante de que a pulverização da oposição vai garantir o triunfo de seu candidato.
Tal como a situação se apresenta agora, Trump tem tudo para ser, de novo, o pretendente republicano na corrida à Casa Branca em 2024. O ex-presidente domina o eleitorado do partido com 49% das intenções de voto, segundo a última pesquisa Reuters/Ipsos, o que, ao mesmo tempo que lhe dá sólida vantagem, deixa metade do campo aberto a uma candidatura alternativa. Com onze aspirantes atirando para todos os lados, a oposição se torna inócua (em 2016, Trump derrotou dezesseis concorrentes). “Múltiplos nomes fragmentam o voto anti-Trump, tornando sua vitória nas primárias quase inevitável”, diz Heath Brown, professor de política da Universidade Cidade de Nova York. Somados, os novatos Pence, Christie e Burgum não chegam aos dois dígitos nas pesquisas. A primeiríssima a levantar a mão, Nikki Haley, ex-representante dos Estados Unidos na ONU e ex-governadora da Carolina do Sul, acumulou meros 4% das intenções de voto desde fevereiro. O favorito para peitar o ex-presidente continua sendo o governador da Flórida, Ron DeSantis, que chegou a liderar algumas das consultas, mas come poeira, a 30 pontos percentuais do líder.
Grandes doadores republicanos estão tentando resolver o problema por conta própria, condicionando fundos de campanha à promessa de que candidatos com performance ruim nas primárias iniciais, em janeiro, desistam da corrida. A ala republicana favorável a um candidato menos controverso sonha com a criação de uma espécie de frente única em torno de um opositor, evitando o repeteco da luta Donald Trump versus Joe Biden (esse, o provável nome democrata), que frustrou a reeleição do republicano em 2020. As manobras nesse sentido, porém, têm pouca chance de funcionar, visto que Trump e o Partido Republicano são hoje em dia praticamente sinônimos. A barulhenta e fiel base trumpista representa pelo menos um terço dos eleitores republicanos e os outros dois terços não ficariam descontentes com sua vitória (70% dos que votam no partido acreditam piamente na balela de que a derrota para Biden foi roubada). Trump se tornou uma máquina de arrecadar doações, tendo acumulado milhões no período longe do poder. Dá as cartas no Comitê Nacional Republicano, responsável pela estratégia da legenda, há seis anos. Embora a prometida lavada de candidatos trumpistas ao Congresso na eleição midterm não tenha se concretizado, sua influência é gritante (até literalmente) nas bancadas da Câmara e do Senado.
Resta aos demais pré-candidatos a ingrata tarefa de fazer uma campanha contra o ex-presidente sem bater muito nele (tirando o truculento Christie, que fez disso sua especialidade). DeSantis, cria de Trump, tenta se distanciar do criador radicalizando ainda mais a agenda de costumes conservadores e investindo com fúria contra as grandes corporações e a mídia tradicional — aos 44 anos, seria um “Trump sem bagagem”, perfeito sucessor do original. Haley, linha-dura contra o aborto e a imigração, entrou na campanha pedindo que o país “se afaste de políticos velhos”. “O sonho da maioria dos candidatos é vencer com um trumpismo sem Trump. Mas isso é uma fantasia em uma corrida onde o próprio homem está presente”, diz John Cluverius, cientista político da Universidade de Massachusetts.
No discurso, nas propostas e na postura intolerante e radical, com deputados e senadores novatos capazes de proferir barbaridades, o Partido Republicano se afasta cada vez mais do conservadorismo tradicional, que teve sua era de ouro no liberalismo de raiz, antigastos públicos e anti-impostos, do governo Ronald Reagan. “Trump alterou o significado de ser republicano. O rótulo agora tem menos a ver com princípios e mais com sua própria pessoa”, afirma Richard Groper, professor de ciência política da Universidade do Estado da Califórnia.
A esperança dos nomes sérios que entraram no páreo — alguns só querem visibilidade, ou garantir uma vaga no gabinete de quem vencer — é que Trump seja derrotado por ele mesmo. Mergulhado até o pescoço em investigações e processos, terá supostas malfeitorias escrutinadas ao longo de todo o ano eleitoral, o que pode vir a desgastar a alegação, repetida sem parar e em letras garrafais nas redes sociais, de que é vítima de uma caça às bruxas. Do outro lado do ringue, o Partido Democrata, sem opção, se une em torno de Joe Biden, 80 anos, um candidato que não agrada a ninguém, sobretudo por causa da idade avançada — e um tombo recente na frente das câmeras, em cerimônia de formatura da Força Aérea, só reforçou a aversão. Mesmo assim, para a população em geral, neste momento, ele segue sendo o mal menor e perfeitamente aceitável: pesquisas recentes o colocam 3 pontos percentuais à frente de Trump nas intenções de voto. Muita água — e muitas agressões — ainda vai rolar antes da convenção em que os partidos ungirão seus candidatos. Seja qual for a escolha, porém, no lado republicano permanece a impressão de que, com ou sem Trump, o trumpismo seguirá vivo e operante.
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845